quinta-feira, janeiro 31, 2008

By appointment to her majesty, the Passion.



Esta coisa é tão forte como o gume de uma espada. Há posições em que não se vê, mas é afiada e mortal. Tão frágil, de um aço mole para que se amole na perfeição.

Experimentá-la só em naturezas mortas e em ocasiões especiais. Não se brinca com tal definição de final. Os cavaleiros nunca viram nada parecido de certeza. Nem os olhos das princesas que salvaram luziram assim.

Fotografia: Thierry Le Gouès

quarta-feira, janeiro 23, 2008


Tenho um coração novo.



Morning Sun – Edward Hopper

Vou limpar-lhe os salpicos de tinta, precisa de arejar por causa do cheiro. Sei que isto é coisa de se fazer com o tempo mais quente e com os dias maiores, mas a humidade não me assusta. Está com mais luz e até parece maior.

É incrível a quantidade de coisas que tinha aqui guardadas.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Uma viagem.



My Moon, My Men – Feist

O resto do albúm - The Reminder - tem o mesmo nível desta música e deste vídeo. Dos melhores de 2007.

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Diferencial.



Havia de ligar-te porque desde que nos despedimos que estou a esforçar-me para não o fazer.

É assim fatal esta coisa, como o que me põe a pele com aquele ácido do fim do dia. Entranha-se como se tivesse unhas de mecânico, daquelas que não servem para te tocar.

Fotografia: Thierry Le Goués

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Eu vi a luz.



- Li num livro que os doentes em coma, de qualquer idade, adoptam automaticamente a posição fetal e que só mudam se os enfermeiros forçarem outra postura.

- É terrível.

- O quê? O coma?

- Não. Pensar que alguém se intromete quando nos preparamos para nascer outra vez. Como quando te conheci. Agora, se abalasses, voltava logo para a barriga da minha mãe, apagado.

- Quando te conheci estavas de pé.

- Pois, foi alguma enfermeira que me preparou para te receber.

- Por isso tinhas a barba mal feita. Barbear alguém que está deitado é arriscado.

- É. Mas não se compara com o perigo de te perder.

Fotografia: Thierry Le Gouès

terça-feira, janeiro 08, 2008

Está lá?

Numa busca no telemóvel passo pelo nome de um amigo que morreu há dois anos.

Só agora reparei que ainda mantenho o seu contacto. Foi uma sensação estranhíssima (e eu costumo ter cuidado nos adjectivos, ainda por cima neste grau).

Parei sem saber se havia de apagar aquela linha agora privada de qualquer sentido. Depois decidi manter, sem explicação.

Qualquer dia ligo-lhe para ver o que dá. Só não foi hoje porque para estranha bastou a descoberta. E não me apetecia nada ouvir uma máquina dizer que ela, ele, eu ou quem quer que fosse, não estava disponível.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Lambazes.



Jane Russell

Há um homem que aperta a cabeça de um outro enquanto o esmurra sem lhe conseguir ver a face ou o lábio cansado. Tem um garfo de virar frangos espetado nas costas mas é como se não fosse nada. Um dos seus filhos está no chão e tenta dar caneladas no velho que o calca com a mesa de matraquilhos.

Os cães estão a ladrar, os miúdos a berrar e as mulheres a dar-lhes abana-moscas para os calar. Um dos que começou está sentado lá fora com um lenço ensopado e prepara-se para fugir assim que ouvir a polícia.

A rapariga devia ter ficado calada ou em casa. Vir para aqui não podia dar bom resultado uma vez que era família de alguém. Agora chora - a desgraçada, ainda há bocadinho estava a rir e a provocar.

O chão mistura a serradura e os cacos, cheira a aguardente e a panos de taberna.