quinta-feira, novembro 30, 2006

Wave of Mutilation.



Era uma vez um Deus daqueles capazes de controlar o mar que, por cinco ou dez mil dólares, matava de Nova Iorque até ao México. Pelo caminho deixava virgens numa ruína a clamar pela sua misericórdia ou pujança, sem saberem qual querer ou sofrer primeiro. E havia daquelas paisagens em que o calor reverbera, sabes?

Agora tu, inventa aí uma história que me ponha bem disposta.

Fotografia: Thierry Le Gouès
ONTEM PELA TARDE ENSOLARADA

Circulando através de Berlim a cidade morta
No regresso de um qualquer país estrangeiro
Senti pela primeira vez a necessidade
De ir desenterrar a minha mulher ao seu cemitério
Eu próprio deitei sobre ela duas pazadas cheias
E de ver o que dela ainda resta
Os ossos que nunca vi
De segurar o seu crânio na minha mão
E de imaginar o que era o seu rosto
Por detrás das máscaras que trazia
Através de Berlim a cidade morta e de outras cidades
No tempo em que estava vestido com a sua carne

Não cedi a esta necessidade
Por medo da polícia e dos comentários dos meus amigos.

Heiner Müller

quarta-feira, novembro 29, 2006

Heiner Müller



Admiro-o porque o horror de muitos dos seus textos aproxima-se da vida real e do quotidiano. São a loucura normal mas não aconselháveis a todas as susceptibilidades.


O PAI

Um pai morto teria sido talvez
Um melhor pai. O preferível
É um pai nado-morto.
Não pára de crescer a erva sobre a fronteira.
A erva deve ser arrancada
De novo e de novo que cresce sobre a fronteira.

Gostaria que o meu pai tivesse sido um tubarão
Que tivesse despedaçado quarenta baleeiros
(E no seu sangue eu teria aprendido a nadar)
Minha mãe uma baleia azul meu nome Lautréamont
Morto em Paris1871 desconhecido.

Heiner Müller
HIENA

A hiena gosta dos blindados imobilizados no deserto porque as suas tripulações estão mortas. Ela pode esperar. Ela espera até que mil e uma tempestades de areia tenham corroído o aço. Então chega a sua hora. A hiena é o animal heráldico das matemáticas. Ela sabe que não deve haver resto. Seu deus é o zero.

Heiner Müller

domingo, novembro 26, 2006

Fleuma.

Mijar contra o muro da escola ou atirar a sétima pedra ao ninho das andorinhas não é nada, quando se compara com a mais pequena das vergonhas adultas.
O Amor é mais fácil de aprender do que a descrição do Amor.

terça-feira, novembro 21, 2006

Como um choro de bebé:

o consolo é que não poderá durar para sempre.
Sangue azul.

Arrumo Blue Train de John Coltrane bem perto de Every Day dos The Cinematic Orchestra. Não gosto muito do primeiro e este leva-me sempre pelo braço para o segundo. Blue Train serve para manter o respeito dos amigos ou de quem vem cá a casa, o outro é o que me faz feliz a sério.

As aparências salvam alguns animais, entre eles inúmeros insectos.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Já desconfiava.

Sou um fraco. Ainda não ter visto O sacrifício de Tarkovsky é só mais uma corroboração.

domingo, novembro 19, 2006

Pakistan?

O Governo paquistanês aprovou a lei que permite as mulheres apresentarem queixa por violação sem serem necessárias as quatro testemunhas do sexo masculino que anteriormente eram exigidas.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Bombay Sapphire.



Depois de te perder consolam-me coisas como uns sapatos confortáveis ou umas calças passadas a ferro. Os velhos a tentar passar a rua também me deixam a alma tépida sem saber porquê. Se calhar é por ainda conseguir correr, mesmo sabendo que já não preciso. A eles também basta qualquer coisa que não doa os pés para se sentirem mais novos.

Acho que estou velho. Ouvi dizer que na Índia os velhos vão para sítios específicos morrer. Tenho um amigo que esteve lá e que viu um a passar, morto, levado pelo rio. Imagino-os num pátio solarengo e com cheiro a flores velhas, não é secas, é velhas, que é pior. Lá chegam com um saquinho, depois devem sentar-se à espera.

Já viste, a Índia tem estes pátios e tem o Kama Sutra. E o meu amigo disse que também há lá monumentos parecidos às nossas igrejas só que em vez de santos têm uma data de gente a fazer amor. Com as pernas, os seios e os sorrisos de pedra.

Se aqui tivesses dizia-te que a Índia é que era: consciência da morte e manuais para amar na perfeição.

terça-feira, novembro 14, 2006

Ao contrário.

Acho que a teimosia é uma das fundações de qualquer relação. A perseverança é demasiado fraca, planeada ou pomposa para que possa ser ligada à Paixão ou ao Amor. A teimosia é mais irracional e injustificada, por isso mesmo é a explicação mais próxima da verdade.

O Amor é um sinal de civilização sem filtro. Não se compadece com estudos ou convicções. Trabalha como um cilindro de alcatrão que alisa toda a verdade e mentira, espalmando-as numa massa uniforme que queremos e não queremos.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Rise and fall.



She woolf daydreaming – Kid Loco.

O mundo é mesmo estranho. Ao procurar este tema no Youtube, deparo-me com este vídeo. A música é de amor, o vídeo é caseiro e o resultado final é fascinante.

Ele: Amas-me?
Ela: Tanto. Acho que vou explodir.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Jus.



Já estou cansado de dizer que gosto de ti. Por mais que grite e sue, nunca vais entender este tamanho que me deixa sempre à sombra. Apaixonares-te por mim era o mínimo que podias ter feito. Pensando bem, nem havia outra maneira do próprio mundo lidar com esta coisa. É grande como um mar daninho, habituamo-nos a isto e depois nem reparamos. Quando menos se espera mastiga-nos e cospe no céu.

E nem com o tempo, vê bem, nem assim tu vais perceber. Já as veias me saltam, moles, das costas das mãos e ainda tu andas a rir e pedir-me dinheiro para o pão. Despe-te e faz jus aos livros que leste, aqueles só de letras que te ensinavam, dizias tu. Despe-te como uma qualquer vigarista que tenha morrido numa dessas histórias.

Fotografia: Thierry Le Gouès
Os direitos.

Não é a primeira vez que me alertam para o facto de alguém ter plagiado ideias e palavras deste e doutros blogs. Para quem nunca pensou vir a escrever, isto é uma espécie de elogio primário mas dispensável. Ainda para mais, parece que é gente que escreve livros e tudo.

Terei assim que arranjar sítio para arrumar o Reservados todos os direitos de autor. Aqui neste post nem fica mal, mas é pouco definitivo.