terça-feira, novembro 29, 2005

Conheço-te.



Na rua ou de leve passagem, conheço-te mas finjo que não é nada com o furacão no meu peito.

Estou em estado de desgraça, ou seja, normal. Queria o fogo de todos os cruzadores e o peso de todas as fábricas dentro de mim. Gostava de ser a cama da vertigem ou um vidro enterrado na areia da praia. Isso é que é vida, isto em que andamos é preto. Quase tão preto como a própria morte. Queria-me apaixonado por ti mas há muito que não posso.

Esta coisa na garganta, isto que me torce a alma, é só de pensar que te podia telefonar.

A verdade do tempo.

Assim tem andado o Estranho Amor, com o peso das inutilidades a roubá-lo do que deveria ser: um diário apaixonado pela vida. Um post por semana, meu Deus, um post por semana.

O tempo, o que se perde, a semana como medida unitária e o Amor fazem-me lembrar a rotina que se aconchega em todas as relações duradouras.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Preocupação.



De vez em quando acordo ralado com pessoas que conheci há muito tempo. Passo-lhes à porta e espreito o que por lá foi dentro. Sei que fazem outra vida, com outros olhos e com mais competência.

O que foram mudou-se para longe. Resta-lhes o corpo que conheci pelos meus dedos. O mesmo que ainda hoje me poderia levar à loucura e à morte no mar de saudades teimosas que me agasalham.

Tenho uma terra, um passado e muitas vontades. Sou feliz. A maior parte dos homens nem sabe para onde chutar a vida que lhes sobra.

terça-feira, novembro 15, 2005

Rugas.



Estou à espera de ser velho ou talentoso o suficiente para conseguir dizer o quanto me faltas.

Será que quando os nossos corpos estiverem estragados pelo tempo já podemos ser felizes? Nem sei que espécie de amor fazer quando toda a beleza se tiver esgueirado.

segunda-feira, novembro 14, 2005

No fundo,

este blog, e tudo o que por aqui se diz, pode ser resumido em qualquer coisa deste tipo:

Amo-te e o que eu mais queria era poder ver-te nua. Tocar e beijar-te, fazer o que toda a gente faz. Cheirar o ar depois de o amor estar feito, abraçar-te e rir por me pareceres muito maior assim deitada. Ficar com a sensação de que agora já posso morrer, como quem vê nascer um filho.

Tudo o que fugir disto é dispensável.

Mão viva.



Todas as decisões estão inchadas por estas nuvens cor de chumbo. A água e o horizonte, tão longe, ajudam-me a ficar quieto. Servem de mordomo e de bandeja, trazem-me imagens das pessoas de sempre.

As que eu mais amei e que me deixaram. Todas, com o sorriso inocente perante o tamanho das saudades e da vontade impossível. Cabem nesta mão, e ainda me sobram dedos. Está velha esta mão que não as conseguiu segurar. Gostava de saber em que parte da linha está a minha vida.

Fotografia: Getty Images

segunda-feira, novembro 07, 2005

Nua.



Conta-me como és quando te despes. Que sonhos tiras primeiro? Por onde começam as tuas mãos? Onde acabam as tuas meias?

Gostas dos segundos de frio antes te entrares no banho?

São assim os meus dias, a imaginar-te nua como as crianças. Feliz com a terra e com a luz que te toca.

Ser adulto é ter a capacidade de dizer sim quando tudo te diz para não beijares.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Para ti,

nem a palavra amo-te adiantou nada. Como nas derradeiras despedidas onde se pede a mão de um “diz que já não me amas”.

Se algum dia tivéssemos namorado, pedias-me para fazer amor uma última vez, antes de dizer adeus?

O Tempo. Sempre o tempo.



Há dias que não deviam aparecer. A idade viciou-me nesta coisa das fases, uma boa, outra má. Uma precede a outra aborrece. Uma vez li que ter saúde é mau porque é transitório. De vez em quando lembro-me desta frase e do que quer dizer.

O tempo incomoda-me por passar rápido ou por não passar mesmo. Lembro parentes desaparecidos e os seus pertences enterrados. As roupas, os objectos na primeira gaveta da mesa-de-cabeceira e os amuletos irracionais desapareceram. Tornaram-se anónimos para os mais novos e órfãos para os restantes.

Tudo passou, até a dor.