quarta-feira, dezembro 29, 2004

Revolver.



Lembro os beijos que me atiraste à cara. Os que me atiraram para longe e os que acompanharam a roupa que tiravas.

Lembro o que me acertou primeiro. E tantos que passaram a arrasar o desassossego.

Todos fizeram tudo menos importante.

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Como o Amor verdadeiro.

O Bolo Rei da pastelaria Tijuca (em Alhandra) ainda sabe melhor de um dia para o outro.

Passa aí mais uma filhós para a Rennie não me cair na fraqueza.

Demasiados sonhos.

Neste Natal ingeri tantas calorias quantas as humanamente possíveis. Apesar de não ser oficial, este e outros recordes gastronómicos foram batidos por mim. Encontro-me a recuperar, com melhorias assinaláveis nas últimas 24 horas.

O Amor segue dentro de momentos.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

É Natal.



Compras, calorias, saudades e frio. Às vezes parece que tudo está a mais.

Até o Sol e os dias bonitos se podem considerar mau tempo, tendo em conta que estamos no Natal.

Sorrisos e verdade. Às vezes parece que tudo está a menos.

terça-feira, dezembro 21, 2004

Touch by the hand of God.

Ao comprar os últimos recursos logísticos para a consoada, vejo uma menina dos seus dez anos a brincar com artigos expostos numa prateleira da loja. Aproximo-me e reparo que são daqueles manequins articulados que os estudantes de arte usam para esboçar o futuro.

A menina, de beleza a prometer muitos corações partidos, vai juntando os manequins aos pares, bem abraçados como se os beijos e o desejo pudessem ser de pinho envernizado. Como se fosse uma deusa do Amor a aprender o ofício.

Como se Amor vivesse onde queremos ou gostamos.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Reserva, 1970.



São tão bons os momentos e as gargalhadas de hoje. É tão especial este jantar e esta luz que nos interna. É tão rica esta história que se tivesse um final seria feliz. Realidade dulcíssima, refractada nos copos encarnados, que me devolve à infância ou à sua perda. A carne não podia estar mais apurada e o vinho amansa as horas.

O futuro nunca será melhor que esta noite.

Se fosse um final, seria feliz.

sábado, dezembro 18, 2004

Colherada.

Para a Marina e para a Satine (comentários do post de ontem) e porque também se conquistam pessoas pelo estômago, cá vai a receita:

Pastel de Nata
Para a massa: Farinha, 250g
Manteiga, 125g
Banha, 75g
Sal, 1 c. de café

Peneira-se a farinha com o sal para um tigelão e amassa-se com água fria, apenas a necessária para formar uma bola ligada, que se deixa descansar 10 minutos. Bate-se a manteiga juntamente com a banha com uma espátula de madeira e mete-se no frigorífico também durante 10 minutos. Estende-se a massa sobre a pedra da mesa com o rolo de madeira , formando um quadrado, que se barra com metade da mistura manteiga-banha. Dobra-se ao meio, põe-se sobre uma tábua e mete-se no frigorífico durante outros 10 minutos. Torna-se a estender, barra-se com o resto das gorduras e enrola-se, formando um rolo como um salame. Corta-se em 24 pedaços iguais e mete-se cada um dentro duma forminha pequena. Deixam-se descansar ainda 10 minutos no frigorífico. Moldam-se então dentro das formas os pedaços da massa, puxando-a para fora com os dedos molhados em água fria, para forrar as formas do fundo e dos lados, formando assim as caixas dos pastéis. Deve comprimir-se a massa com os polegares de baixo para os lados, de modo a deixá-la francamente mais fina no fundo.

Para o recheio: Nata, ½ l
Gemas, 8
Açúcar, 150g
Farinha, 10g
Desfaz-se a farinha na nata aos poucos para não formar grumos e bate-se com as gemas e o açúcar. Leva-se ao lume, mexendo sempre, até quase levantar fervura. Vaza-se nas forminhas forradas com a massa, só até ¾ e tendo o cuidado de não sujar as beiras da massa com o creme. Cozem-se em forno muito quente e, querendo, antes de servir polvilham-se com açúcar em pó e canela.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Coisas que me lembrei hoje enquanto ia para o trabalho.

- Não como uma sandes de marmelada há muito, muito tempo.

- A minha avó abafava uma panela com uma manta para manter o frango com esparguete quente até à hora do jantar.

- Faltava-nos o fôlego com o tamanho dos beijos que dávamos.

Ao contrário dos livros, a vida tem vários marcadores. Servem para sabermos onde vamos ou onde estivemos.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

É melhor contarmos com isto.



Salas de parto, registos civis e cemitérios. Se virmos bem, a nossa vida cabe em três espaços e acaba em três tempos.

No fundo, somos a conta que alguém fez.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Precipitação.



As palavras da tua despedida foram o epitáfio de todos os meus sonhos.

O Amor, como a vida, é melhor no início e menos bom quando se aproxima do final.

Desconfio que os dias de chuva são um disfarce de compaixão para as lágrimas. Nesses, aproveito para te ir amarrando às ruas com a corrente quem vem do céu.

terça-feira, dezembro 14, 2004

2º frente.

Há um senhor que vive perto de uma casa onde mora uma senhora de longe. Há uma senhora que vive ao lado de uma avenida de mau caminho. Quando se cruzam pensam nos grandes amores que todos os dias passam pelas suas vidas sem bater.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

- Fica-me bem este vestido?

- Meu Amor, ao ver-te assim, não expiro, suspiro.

- Inspiro?

- Sem isso, morria!

Este fim-de-semana vi a mulher mais bela do mundo com o homem mais inteligente do mundo.



A Dama de Xangai é uma obra-prima. O que é que se pode esperar de um filme que junta Rita Hayworth e Orson Welles?

sábado, dezembro 11, 2004

As lágrimas são dores que já não cabem cá dentro.

As lágrimas são dores que já não cabem cá dentro.

Fomos traídos!



O grande trunfo do Amor é ter convencido as pessoas que não mata. Inventa o tempo e as luzes para as distrair. Inventa as palavras para esconder os beijos.

Depois, pelas costas, farpa os desencontrados. Cava os corações e lá semeia faltas de coragem.

Havia de te ter conhecido para provar da própria peçonha.

quinta-feira, dezembro 09, 2004

Quem é?

Não sei. E mesmo que soubesse não dizia, ou erraria de propósito. É que nunca tive umas mãos tão suaves nos meus olhos. Ainda para mais, preciso que alguém me cegue. De alguém que me prive da realidade em demasia e, ao mesmo tempo, me faça sonhar.

Tens o resto da tarde para sair daí.

Verdades há muitas, seus palermas!

Em exibição num meio de comunicação excessivamente perto de mim.


Preciso da verdade que vejo. Da que ouço quando estou só. Daquela que guardo de momentos passados, felizes ou mesmo estragados.

Quanto ao resto, gosto de mentiras novas todos os dias. Com muito açúcar, se faz favor.

terça-feira, dezembro 07, 2004

Os amantes.

São os únicos e principais irresponsáveis por tudo o que de bom ou mau lhes acontece.

Os amantes vivem inimputáveis porque o Amor nunca lhes dá falta de razão.

A cópula da Cyclorrhapha (fotografia tirada de boca aberta).



Aqui está uma das representações de Amor mais estranhas que vi. Legenda: num muro, duas moscas a copular, mortas mas de pé, ressequidas pelo sol. Conservadas no tempo, para além do que as juntou e nunca separou.

Não tenho ideia ou palavras que esclareçam. Resto-me a mim próprio, aparvalhado pelo meteorito de espanto que me acertou.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Desgarrada.

Unplug me, please.



Antes de tudo vem o fado vadio. É um prazer ver alguém fazer arte sem ser por dinheiro. São estes os concertos que aprecio. Cordões grossos, umbilicais ou de ouro, vozes cuidadas pelo tabaco e pelo abuso. Lágrimas de tudo menos de futilidade.

sexta-feira, dezembro 03, 2004

- E agora, qual é a parte mais importante do teu corpo?

- O nariz.

- Porquê?

- Porque é mesmo debaixo dele que se escondem as coisas que nos fazem felizes.

- Como a tua boca?

quinta-feira, dezembro 02, 2004

O melhor cego é aquele que não quer deixar de amar.



Não me importo como se arrumam as estrelas, o Sol ou as marés. Nada à minha volta impressiona mas tudo me comove. É assim a tua falta. Basta-me olhar para um chão de carvalho ensolarado e logo vejo uma chuva torrencial.

Prova de Amor para os próximos 25 dias:

Acompanhar alguém à Zara do Colombo durante o fim-de-semana.

terça-feira, novembro 30, 2004

Sol edificado.

Saio de casa com música de bolso e um livro. Equipamento obrigatório para me salvar, como as braçadeiras ou a bóia de uma criança cansada de tanta água.

São boas estas manhãs que dão para fumar o nosso ar quente. Congelam-me os sorrisos e os banhos do Verão que passou.

A minha nova paixão.

É esta.

segunda-feira, novembro 29, 2004

(…) basta recordar e imaginar o roçar da sua saia para sentir desejos de morder as mãos.(…)

Acabei de ler O Jogador de Dostoievsky. Aprendi que a humilhação é fundamental nas relações de amizade. Os amigos verdadeiros rejubilam com a humilhação salutar uns dos outros. Grande verdade.

É por estas, e por outras iguais a estas, que prefiro os beijos de quem amo às palmadinhas nas costas.

sexta-feira, novembro 26, 2004

US10 EU44 JP28 UK9.5

As caixas de sapatos são a invenção mais importante da humanidade. Não pelo que são, mas pelo que conseguimos lá guardar.

É aí que vivem bilhetes, botões, cartões, flores secas, fotografias esbatidas, lenços com lábios e madeixas. As primeiras lágrimas, os primeiros sonhos de gente grande e a inocência que nos traiu.

quinta-feira, novembro 25, 2004

Biografia não autorizada, de preferência.



Quando somos novos, mostramos a paixão com orgulho no autocarro.
Mais tarde, vivemos a errada no sítio certo à hora atrasada.
Já velhos, julgamos a nossa e a dos outros à porta de uma prisão perpétua.

quarta-feira, novembro 24, 2004

My only friend, the end.



Todas as histórias belíssimas são dramáticas. A nossa não fugiu à regra, fugiu-nos a nós. Para bem longe, para fora de pé.

Todas as histórias acabam bem. Mesmo no fim, para lá do razoável, acabam bem.

terça-feira, novembro 23, 2004

segunda-feira, novembro 22, 2004

Ponto Cruz.



Uma das minhas bisavós perdeu dois dos quatro filhos que teve. De tuberculose, pois claro. Um, e outro de seguida, sem ter tempo de enxugar as lágrimas do primeiro. Desde esse dia que a sua rotina passou a ser:

Levantar, beber café com pão com manteiga e preparar um farnel. Antes de sair para o cemitério, pegava num banco de madeira minúsculo onde passava os dias sentada em frente às campas dos filhos a bordar.

Diz a minha mãe que todos os dias foram assim até à véspera da sua morte.

Nunca a conheci mas é bom saber que carrego coisas dela.

domingo, novembro 21, 2004

Matchbox.



Os brinquedos lembram-me como o tempo é implacável. Cresci sem que alguém me perguntasse se queria. Novo, vivi muitas vidas a fingir que era adulto. E agora não consigo viver uma única como criança.

sexta-feira, novembro 19, 2004

A insustentável leveza do ser ou não ser.

Percebo o peso lento de começar um livro com mais de quinhentas páginas que se vai levantando emocionado quando se aproxima do fim.

Ao contrário da paixão que tudo consome à nascença como uma lareira só com papeis.

R.I.P.

Uma vaga de baixas assola a blogoesfera nacional. Uma verdadeira sangria. Depois deste triste abandono, este, tido por mim como o mais brilhante blog do mundo, anda a sofrer assombrosas convulsões. Não fosse a sua grandeza e poderia desejar rápidas melhoras ao maior ponta de lança do mundo.

Enfim, o Estranho Amor não só não vai acabar, como vai continuar estoicamente e em força.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Não há maior mentira do que a despedida de quem se ama.

Admirável mundo velho.



Sublime rotina. Nada há que mais aprecie do que olhar para os mesmos sorrisos de ontem. Os mesmos passeios e as mesmas valetas. Janelas e aromas. Gosto de me rever todos os dias a polir as horas em busca da perfeição.

As viagens, surpresas e sustos estão cá dentro.

quarta-feira, novembro 17, 2004

Diário de bombordo.

Há dias que passam por nós e não os notamos. Sabendo que são mais valiosos que diamantes, chego ao seu fim e fico irritado. Podíamos, ao menos, ter aproveitado para beijar quem amamos ou quem nos apetece. Resta o consolo de saber que piores dias virão e que esses acertam em cheio onde menos gostamos.

terça-feira, novembro 16, 2004

Amos.



Amo este disco. É bom, mas bom. Também era um dos primeiros a salvar se houvesse um incêndio cá em casa.

Nunca saímos da idade dos porquês.



Muitas vezes, não vemos as razões porque elas não existem. E o Amor é exímio praticante da arte de escamotear. É crónico. É um estranho e não um conselheiro de confiança. O nosso esconde-se noutros e o dos outros achamos sábio.

Já dei uma parte de mim para te ter. A mais valiosa. Nunca foste minha, perdi a razão.

Porquê?

Porque sim.

segunda-feira, novembro 15, 2004

É uma verdade suja mas alguém tinha que a dizer.

O Amor que tantas vezes junta, outras tantas separa.

As casas também morrem de pé.



Ainda as casas emparedadas versus as abertas: nenhuma das primeiras conseguiria ter este azul lá dentro. Esta é a prova que até na ruína a beleza é possível.

Acho que nem numa casa dita (de utilização) normal se costuma ver um céu tão azul.

sexta-feira, novembro 12, 2004

E isto é só o principio.

Sentado à mesa penso, se está aqui é porque, pelo menos, gosta da minha companhia. Os pratos e os copos são irrelevantes, como se o momento roubasse o espaço ao que deveria ser mais do que uma questão de sobrevivência.

As palavras trémulas do antes do principio olham para as tuas mãos. A sua graciosidade é a mesma que segura um revólver tranquilo. Imagino uma mão na coronha de nogueira e outra a limpar uma leve mancha de óleo no tambor.

Nunca medi tanto as palavras, não vá alguma matar de arrependimento.

quinta-feira, novembro 11, 2004

Só a verdade é revolucionária.


Na gastronomia, as castanhas têm o valor de rubis sangue de pombo. Esta fama deve-se em muito ao Marron Glacê, tido por muitos como a maior jóia da doçaria.

Mas a água-pé é o mesmo que água de lavar pratos. Gastrónomos, gourmets e escanções não compreendem como num país com tão bom vinho alguém possa beber semelhante coisa.

Ou muito me engano ou esta é uma relação em que um ama e o outro deixa.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Coisas que não se resolvem na cama.


Luí XVI dormia numa cama Luís XV.
Primeiros sintomas



Da manhã. Fria e calculista. Horária e fugaz. Em breve será tarde. Demais. Havemos de conseguir uma conversa importante no carro. O coração, a mão e a boca a menos de cinquenta centímetros do lado. Estou perdido. Desculpe, como é que vou para a Ajuda?

É impressão minha,

ou existe alguém que nos ajuda a tolerar o peso da própria vida: um anestesista invisível a quem alguns chamam fada madrinha?

terça-feira, novembro 09, 2004

Admitem-se dois tipos de apaixonados:

Os que estão e os que dizem que não estão.

Os outros terão que esperar. De forma ordeira, aí atrás, por favor.

P.S.

São tantos os minutos que guardo na memória dos beijos que nunca chegámos a dar.

Honrai a Pátria, que a Pátria vos contempla.



Perdi o Amor que adiei. Muito pior que uma batalha ou guerra. Perdi-me a mim próprio por querer. Deste-me uma cigarreira antes de ir para a frente, julgaste que me voltavas a abraçar.

Desfigurado pelas lágrimas incandescentes ouço-te: por Amor de Deus, por Amor de Deus.

Perdi o Amor que adiei.

segunda-feira, novembro 08, 2004

Na morada antiga.



Incomodam-me as casas emparedadas. Preferia vê-las a arruinar livres, com lembranças de vidas a bater nas janelas e a acenar. Com o solho a libertar-se e os pardais todos na sala. Com ervas novas na cozinha e sol no quarto dos fundos.

domingo, novembro 07, 2004

Plenilúnio.



- É pena não se ver a Lua nas noites de chuva.

- Sim, mas sabemos que lá está.

- Como a tua boca no escuro.

- Lá está.

sexta-feira, novembro 05, 2004

Questão alvoraçada.

Morrer de velho, ou morrer de novo?

Corte Marcial.

Lembro-me da tua voz mas mais ainda me lembro da sua rouquidão. Lembro-me dos teus olhos mas mais ainda me lembro deles fechados. Lembro-me da tua boca mas mais ainda me lembro de não saber onde começava ou acabava a minha.

Lembro-me da extrema violência que nos invadia. Tão bem, que nenhum dos nossos dedos soldados a conseguiu matar.

quinta-feira, novembro 04, 2004

De olhos bem abertos.

A foto abaixo foi tirada na saída norte da segunda circular ao fim do dia, enquanto estava no meio de um engarrafamento. Fico feliz ao ver que há sempre bocadinhos de sonho a deambular.


Não sei se nos devemos desculpar por iludir ou por desiludir.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Toda a minha vida na tua mão. Aberta, vazia ou cerrada. A tua mão ou a minha vida?

Tejo.



Sei que foste assim. Bravo, irrequieto e apaixonante como um verdadeiro amigo. O vento e o Pessoa contaram-me as noites e as nuvens, o meu pai contou-me quantos trouxeste e quantos levaste.

Como te percebo, a infância de crianças felizes ainda te faz correr para o mar.

terça-feira, novembro 02, 2004

Mesa para dois s.f.f.


Uma intoxicação alimentar despejou-me de todas as tarefas. Acamado, estou lentamente a acordar para a vida normal. O Nestum de arroz sem glúten e a canja insonsa roubam-me a esperança de uma visita ao XXIV Festival de Gastronomia de Santarém. Enfim, melhores refeições virão.

domingo, outubro 31, 2004

Reduto de tudo.



Na infância, lembro-me de tapar a cabeça com o lençol e pensar que estava no melhor esconderijo do mundo. Sentia-me protegido contra luzes, sombras, palavras, frio, ladrões e pesadelos, inacessível a qualquer coisa que me pudesse apoquentar.

Hoje, rio-me da inocência mas tento usar a mesma técnica para o frio e para as saudades.

sexta-feira, outubro 29, 2004

Solitária.



A tua lembrança localiza-se entre a garganta e o fundo do peito. É bem aqui que me faltas. Consigo-o apontar com a clareza que me falta no espírito. Por aqui está tudo assustado, agachado, à espreita de uma graça divina. Como um foragido que ouve os latidos da prisão ao longe. O pânico da Lua enregela-me o arrependimento.

quinta-feira, outubro 28, 2004

Oh não! O que se perde.


Quando somos novos não sabemos distinguir o que interessa, só sabemos do que gostamos ou não.

quarta-feira, outubro 27, 2004

Precipitação.


Gosto de um guarda-chuva grande, daqueles com bico. Quando a chuva acaba dá para escrever o teu nome na terra molhada.

Foto Getty Images

Quem me dera serem meus os olhos a verem-te nua todas as manhãs.

Exilado.

Deitado na inquietude, vejo a minha alma a trair-me com as tuas recordações. Sorrisinhos e olhares que alimentam fantasmas trocados. Não consigo ouvir o que maquinam. Só o que me desiludem.

Passam por mim com um encontrão no ombro que desprezaste.

terça-feira, outubro 26, 2004

No fundo, todos os cuidados são muitos.



Os netos dos nossos filhos não saberão quem fomos. Irão rir dos penteados, das músicas e das roupas que escolhemos.

Com sorte, sentiremos as suas bochechas rosadas a fugir de um dos nossos últimos beijos.

Ainda assim, existem pessoas que usam creme para as rugas.

Divisão da Alegria.



Este é um grande disco em qualquer parte do mundo. Interpol a cheirar a Joy Division.

São faixas como a segunda, Evil, que me vão provando a insanidade: 4 a 5 vezes ao dia, antes ou depois das refeições.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Certeza absoluta sem grande convicção.


As horas certas estão nos ponteiros de um relógio partido. A marcar uma das piores invenções da humanidade: a medição do tempo.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Mouchão.



Todas as pessoas têm dentro terrenos baldios. Espaços sem dono, vazios e por vezes fascinantes. Zonas de reserva à espera que as licenças para amar sejam deferidas.

Valas, caniçais, lodo, riachos, pássaros e pneus velhos. Manilhas desactivadas e cheiros de Inverno à espera das almas dragadas.

Draga
substantivo feminino · aparelhagem flutuante destinada a escavar os fundos submersos;

· pl.
escoras que sustentam a embarcação em seco;

(Do ing. drag, «id.», pelo it. draga, «id.»)

quinta-feira, outubro 21, 2004

A Pergunta que se levanta, a resposta que se esconde.

Com que sonham os cegos de nascença?

Onde estão os meus sapatos?


- Já Vais?

- Sim. Tem que ser.

- Pois. Assim levas para bem longe a mulher que amo. Olha, estão dois saquinhos em cima da mesa da cozinha, quando saíres, leva o das promessas.

quarta-feira, outubro 20, 2004



Tudo o que existe pode ser resumido a números ou expressões matemáticas.
Deve ser por isso que o Amor tantas vezes é infinito.

terça-feira, outubro 19, 2004

Há muito tempo atroz.

Nada entre nós pode correr. As coisas não podem ser piores e, mesmo assim, tentamos ser iguais.

Nunca fizemos Amor. Este, dá a sensação que se fez a ele próprio e que se consumiu sem deixar nada que me agarre à decência da rotina.

Guardo a sombra que te abandonou por ser incompatível com os teus olhos.

domingo, outubro 17, 2004

Play the record again, James.



Acabei de ligar o gira-discos, desactivado há pelo menos 10 anos. O equipamento não é topo de gama e eu não tenho uma discografia em vinil que justifique a reactivação. Contudo, permitiu-me ouvir, por exemplo, este medíocre LP do James Last editado em 1976 que era do meu pai.

Fui buscar forças daquelas que os atletas olímpicos arranjam sem saber onde e que lhes permite bater recordes.

4. Allegro Energico e Passionato – Più Allegro [9’19].



Música para este Inverno e para esta vida. O tributo da Deutsche Grammophon a Carlos Kleiber é uma obra-prima. A sua obsessão pelo perfeito baptizou-o como recordista de concertos anulados à última da hora. Abençoado seja.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Pior que a tua ausência é a tua presença constante em mim.

Revelação condicionada.

Para mim, o termo propriedade privada tem um único significado:
Alguém que pertence a outrem que não se encontra de momento.

P.S. Os termos propriedade e pertence referem-se em exclusivo a relações passionais. Qualquer semelhança com outras realidades é pura coincidência. Todos os direitos reservados aos legítimos cônjuges, namorados ou amantes.

quinta-feira, outubro 14, 2004

Foi só um sonho, sossega.

Quando era pequeno costumava sonhar:

- Que ia a cair numa vertigem de pânico e suavidade;

- Que pedalava as bicicletas mais bonitas e maiores, mas estas não andavam nada;

- Que andava nu na rua (apesar de ser um sonho a vergonha era real).

Tráfico de Influenza.

Estou constipado. Sei que decorre em mim uma luta titânica entre monstros minúsculos. Uns que já faziam parte da mobília e outros que entraram armados em espertos.

Como se não tivesse suficientes cá dentro, ainda apareceram mais estes que atemorizam os beijos que dou.

quarta-feira, outubro 13, 2004

“Haja o que houver, há-de haver sempre um homem para uma mulher”

O melhor de um dos mundos.



- Já reparaste que a estupidez é a maior multinacional.

- Já. Mas olha que o Amor também é igualmente global.

- Pois é. Amo-te estupidamente.

terça-feira, outubro 12, 2004

A arder desta maneira, só pode ser Amor posto.



Encarnado de vergonha e de prazer galopante. Arrepio ao rubro. A inocência alastrou-se incontrolável à tua boca de incêndio.

Suor e lágrimas sorridentes internam-se no meu peito. O céu a transbordar. As chamas lambem-me o juízo e a sua falta.

sábado, outubro 09, 2004

Liquidado.

Uma punção na alma. Irremediável, a vazar-me do teu adeus. Dá-me mais um minuto, daqueles que faltam ao ferido de morte para dizer quem lhe acertou.

sexta-feira, outubro 08, 2004

- Então, o que fazes na vida?

- Amo-te.

Mais olhos que coração.



As casas são cada vez mais limpas e brancas. Os móveis já não conseguem ser mais lisos. Tudo para que corramos mais rápido. Que nada se interponha entre nós e a ausência ou estímulo involuntário.

Pensamos controlar tudo, até o riso provocado pelas molduras desarrumadas das nossas avós. Tristes, sem perceber que em cima daquele naperon está muito mais do que um espremedor de citrinos cromado.

Custa-me a perceber do que fogem as pessoas. Querem, sem querer.

quinta-feira, outubro 07, 2004

O Estranho Amor – Prova nº 1.



- Não preciso de te provar nada. Nem mesmo que o Amor é estranho, senão repara em nós daqui a seis meses.

- É verdade. Daqui a seis meses seremos estranhos. O que ontem foi permitido amanhã será castigado. A licença para beijar, tocar, sentir e amar caduca agora mesmo. Ainda assim, quando nos cruzarmos, sentiremos qualquer coisa. Quanto mais não seja a saudade imensa de um corpo que, há muito, foi o nosso.

- Acabemos com a conversa. Bem basta o choro que me alaga o peito. Adeus.

quarta-feira, outubro 06, 2004

Sal.

Gosto de ir à praia, sentir o cheiro da infância e revisitar tudo o que ali guardo. As ondas alisam-me a alma como a areia húmida nas marés baixas.

De ouvidos bem abertos.

“Promove, junto dos teus filhos, a virtude em vez do dinheiro. Em tempos de miséria foi ela que me ajudou.”

Uma das verdades que Beethoven deixou no seu testamento escrito há precisamente 202 anos (25 antes de morrer, quando era já surdo).

segunda-feira, outubro 04, 2004

Improviso.



Na vida real nada é ensaiado, nada é repetido ou treinado. Tudo sai à primeira, para o bem ou para o mal. Tudo é espontâneo, directo e súbito.

E os beijos na boca? Com sabor a roubo, inexperiência ou grandeza?

A ficção é difícil. A vida real é uma fixação.

sexta-feira, outubro 01, 2004

Preito.



Gostava de voltar a beijar
- Todas as mãos que me tocaram;
- Cada um dos olhos que me procuraram;
- Todas as palavras que me amaram;

Numa espécie de homenagem e despedida. Como as que fazem a actores usados, de preto e de farsa. Numa sala e sob todos os holofotes, a agradecer o ridículo de não ter sabido amar quando devia.

Redenção.

Após a lapidação a que a critica de “Lost in Translation” me condenou, resta-me atirar-vos cópias do “In the Mood for Love” de Wong Kar-Wai. Apesar de ser de Hong-Kong, é mais a minha Tsunami.

quinta-feira, setembro 30, 2004

Vendo DVD “Lost in Translation” de Sofia Copolla, como novo. Só foi utilizado uma vez (acho até que ainda tenho o celofane no caixote do lixo).


Ontem vi-o. De regresso, nada tenho a declarar. Foi bom como uma festa perfumada na mão ou um beijo na testa. Insípido e tão leve que se perde dentro dele próprio.

Como um fundamentalista tardio, pensava que ia ter mais virgens suicidas.

quarta-feira, setembro 29, 2004

O segredo é uma das almas do Amor.

O fim da paixão é como o fim da vida. Chega sem que se dê por ele. Retira metodicamente e com tempo tudo o que foi festa. Desmancha e desarma bancadas e palcos. Arruma para os cantos sobejos. Parte e deixa para trás vestígios que esvoaçam com o Outono.

Contudo, nada pode ficar quieto. A Natureza tem aversão ao vácuo. Sonhos daninhos. Almas danadas.

terça-feira, setembro 28, 2004

Amor – to be continued.




Vejo a beleza incandescente dos actores nos filmes com cinco décadas. Percebo as provas de superficialidade que incriminam a vaidade.

Vem-me à cabeça uma deixa de “The Straight Story” de David Lynch que diz “o pior de ser-se velho é lembrarmo-nos de quando éramos novos”.

Amor em grupo.

Nunca se deve contar a verdade toda. Este é um conselho que vale por dez visitas ao Estranho Amor.

Contudo, é uma das verdades que não consigo praticar. Mas isto sou eu. Como prova da minha boca de trapos, cá vai uma lista de inteligência obrigatória


- Classe Média

- Posso Ouvir um Disco
- Ponto e Vírgula
- Ruminações Digitais

É uma chaga que me reverte à vida de manhã. A ausência como noiva belíssima.

segunda-feira, setembro 27, 2004

Tenho quase a certeza.


De que os sonhos são janelas com um parapeito um pouco mais alto, na proporção das nossas para as crianças, onde vamos espreitar em bicos de pés outras vidas simultâneas. De vez em quando, nós como protagonistas dessas outras vivências, também vimos cá espreitar esta que julgamos a real.

Quando era criança, numa tentativa desesperada de estabelecer um laço material com uma das outras realidades, agarrei-me a uma pistola cromada igualzinha à do mascarilha para ver se acordava ao meu lado. Nessa manhã percebi que havia coisas que não se misturavam.

sexta-feira, setembro 24, 2004

Remoinhos.




Guardamos segredo de sítios que queremos só nossos. Lugares que nos recebem e aconchegam como se fossemos só deles.

O meu peito aqui tão longe, deserto para ficar só.

- Resume-te numa palavra.

- Amo-te.

quinta-feira, setembro 23, 2004

Amor migratório.


São tantas as cordas que me impedem de descansar. Para mim os dias são somas de pequenas noites. De escuros e silhuetas indefinidas.

Impedes-me de tolerar a passagem dos anos. Empurras-me para fora de mim próprio.

Boas sementes.

Num só dia comprei a Balada do Mar Salgado – Corto Maltese de Hugo Pratt (edição do Público) e os novos discos de Nick Cave and The Bad Seeds: Abattoir Blues e The Lyre of Orpheus.

Venham as contrariedades e os velhacos. Existem dias que não se conseguem estragar.

quarta-feira, setembro 22, 2004

Amor recorrente.


- Hoje começa o Outono.

- Pois é. Mais um, como se tivéssemos poucos.

- Às vezes penso naquela música que diz: um dia toda a gente que amas morrerá.

- Como diz o outro: só a verdade é revolucionária. Meu querido, faremos amor ainda hoje.

My name is Amor, Estranho Amor.



Acredito sinceramente que existe algures um James Bond a colmatar tudo o que me esqueço de fazer. Uma espécie de seguro contra todas as ausências e faltas de jeito. Alguém que zela pelos telefonemas que devo ou que repara nos cortes de cabelo à minha volta.

terça-feira, setembro 21, 2004

Não quero passar das marcas.




Gosto de marcas. De ervilhas sobreviventes num prato, dos riscos do tempo num muro ou das nódoas na bata de uma parteira. De insectos numa maçã e das unhas dum carvoeiro.

Sobras de acaso que se espalham por nós, a lembrar que tudo o que se faz é indelével, como as marcas que o teu corpo me vestiu.

domingo, setembro 19, 2004

Amor em estado alfa.

Os dias nunca seriam cinzas. As horas nunca seriam tardes nem más.
Se todas as noites sentisse no ouvido ar tépido da tua (c)alma.

Se, para nós, tudo fosse realmente simples como o é na verdade.

sábado, setembro 18, 2004

O Amor não passará.




Como se alguém pudesse perceber a revolta da tua ausência. Como se tudo pudesse ser contabilizado. Como se isso interessasse para alguma coisa.

Ensinaste-me a perder tudo, até o que nunca tive. Piores são os golpes do meu mau estado.

sexta-feira, setembro 17, 2004

Guardo e adoro:

- Um galhardete feito à mão em 1969 de um jogo de futebol entre amigos onde o meu pai foi lateral direito;

- Um Pato Donald de borracha que me foi oferecido assim que nasci (1970);

- Uma cicatriz no joelho de uma queda de bicicleta em 1979;

- Uma de muitas musicas que ouço regularmente – Unfinished Sympathy dos Massive Attack (1991);

- Saudades de todos quanto amei como quem ama um filho, daquelas que nos fazem gigantes.

quinta-feira, setembro 16, 2004

Amor perdido pela demora.



Levaste-me e esperaste que te roubasse a compostura. Fugiste para a frente mas eu tive tempo de parar. Não vi a expectativa do nó que guardavas. Fugi de mim e do começo do que se veio a revelar infinito, enquanto durou.

Apenas o som arrítmico de corações no escuro da minha inocência.

Palerminha, sorris.

quarta-feira, setembro 15, 2004

O outro lado do Amor.


O “Amor de Perdição” vendeu 80 mil cópias na China em poucos dias. Uma das razões foi a identificação dos jovens chineses com as personagens principais do livro e os seus problemas.

O Amor é a única linha a que todos sem excepção se querem segurar. A ruína ou a fortuna são iguais aqui ou na China.

terça-feira, setembro 14, 2004

Meus senhores, não há aqui nada para ver. É circular, faz favor, é circular.

Amor bypass.

Mesmo sem os exames na minha mão consigo ver que a menina não sofre de nada. O seu mal é pedra no coração.

O coração tanto bate até que pára.

segunda-feira, setembro 13, 2004

As 7 quintas de Amor.



Há muitos, muitos posts atrás, escrevi sobre um sítio que me era demasiado querido. A infância, a adolescência, alguns presentes e o futuro estão irremediavelmente aqui ligados. Um sonho composto por dois sobreiros, um bebedouro e um lago minúsculo com todas as cores vivas que se possa imaginar.

Qualquer fotografia mostra só a casca da verdade ali encerrada.