domingo, novembro 30, 2003

Amor distante.

Fugiste. Partiste para um local mais de acordo com o teu sorriso. Um país quente. Uma pátria de alegria e felicidade conquistadas, sabe Deus como. A vida aqui cansava-te. Retiraste-te da realidade para procurares descanso. Não como emigrante.

Deixas-te para trás a riqueza a quem um dia juras-te fidelidade eterna.

Aqui já não te pertence.

Felizmente que é só uma semana de férias. No Domingo falamos, mostras-me as fotografias e contas-me tudo.

sábado, novembro 29, 2003

Apeado de Amor.

A senhora era digna desse estatuto em tudo. Desde o Cartier, que só tinha visto em anúncios, até às meias La Perla, que não sonhava na altura mas que hoje sabe distinguir, tudo era certo como o relógio que levava no pulso. O valor da sua indumentária era, no mínimo, o de cento e cinquenta prés seus. A coerência era a sua marca preferida e aqui ela era indelével.

Questões politraumatizantes ocorriam-lhe:

- Porque é que as novas não se sabem vestir?
- Será que a diferença de idades, 30 anos no mínimo, faria diferença?
- Conseguiria um mancebo alguma vez tomar tamanho objectivo?
- Será que o comboio precisaria de outra energia para andar caso aproveitasse a dos seus olhos?
- Ainda falta muito para chegar a Santa Apolónia?

quinta-feira, novembro 27, 2003

Amor Perfeito II.

Porque é que não vens? Achas que está certo transformares-me numa pequena farripa de homem? A paixão é tão forte que me prostra pela manhã neste transe em que és o cenário. Persegues-me como uma matilha persegue a cria do javali. Flagelas-me cada vez que sorris. Estou a desocupar-me para te guardar. Oco e cheio em simultâneo. Delírio de branco que invade corrosivamente o que resta do que fui. Matas-me devagarinho como Deus nos mata a todos. O céu não é suficiente para te guardar. És a força de todos os Samurais que existiram. Perco-me no silêncio da tua imagem.

quarta-feira, novembro 26, 2003

Toque de Amor.

Invejo as tuas mãos, que têm o teu corpo à mercê. Invejo os teus cabelos que te tocam a boca sempre que olhas para o sol. Invejo os teus lábios que guardam a tua língua. Invejo os desconhecidos que te vêm passar na rua. Invejo o ar perfumado que circula entre o teu corpo e a tua roupa.

Amor próprio.

Desconfio que a maior parte das coisas que achamos boas só servem para nos manter alheados. Se repararmos, nada na vida real se aproxima do que vemos nas galerias de arte ou nos discos mais ouvidos. Os melhores livros fabulam sítios que não existem, ou se existem mentem-nos descaradamente, exagerando tudo o que lhes diz respeito.

Aprecio as teorias que dizem que arte não deveria existir. A arte só serve para distrair da realidade, dizem.

Mas eu, ao invés, tento manter-me o mais distraído possível. Ao contrário do macaco, liberto com agrado a boca, os olhos, os ouvidos e a cabeça. Qualquer dia descubro que sou uma espécie de drogado inveterado que procura refúgio numa música dele. Um só capítulo escrito por Humberto Eco serve para me desgraçar.

O Sr. Zé, da mercearia, já me olha de soslaio enquanto põe as tanjas no saco.

Doses maciças de TVI e terapias de grupo em centros comerciais é o que me espera. Substituir rapidamente O Retrato de Dorian Gray pelo Livro de Pantagruel é prioritário.

Se eu não gostar de mim, quem gostará?

terça-feira, novembro 25, 2003

O Amor é lógico.

Um leão com azia, uma cegonha orfã, um cão sem dono, uma hiena melancólica, um elefante constipado, um pirilampo fundido, um leopardo coxo, um rouxinol rouco, uma andorinha sem ninho, uma víbora sem veneno e eu sem ti.

Existem coisas que fazem todo o sentido.

sábado, novembro 22, 2003

Amor – o fim.

No último instante e suspiro, que visão nos ocorrerá? Apesar de ninguém querer, ou quase ninguém, a todos chegará esse fatídico segundo onde tudo deixará de existir. Onde o nosso corpo ficará uns gramas mais leve (isto é um dado científico e inexplicável, por enquanto), e os olhos se fecharão, ou não, para nunca mais se voltarem a abrir.

O que nos trará a última luz a chegar ao discernimento? Que imagem estará à entrada do nosso The End? Que sonho servirá para nos reconfortar?

Por mim, gostaria que a vida retrocedesse a alta velocidade em imagens que seriam presentes de um passado com vida. Essas recordações fariam-me rir e chorar. Preferencialmente rir. Quanto mais andasse para trás, mais imagens esquecidas me saltariam e mais sorrisos e lágrimas iriam alegrar o derradeiro e infinito silêncio.

A última visão seria a minha primeira: a luz que a minha mãe me deu quando deixei o calor do seu interior e o sangue que não era meu nem dela, mas dos dois ao mesmo tempo, foi derramado.

O meu último suspiro não será poupado à humilhação quando comparado com todos os que dou por ti.

Uma gestão de Amor.

E se nós, como que abençoados por graça divina, pudéssemos parar por tempo indeterminado para organizar tudo?

Eu apagaria os fantasmas, obsessões vis e más recordações para logo baralhar e dar de novo o espaço desocupado. Refazia a extensa lista de prioridades que acumulo e tu virias num primeiro lugar de ferro e pedra. Posto inamovível, como a Excalibur.

O restante ia para as tuas imagens brincarem dentro de mim num recreio de sol e gargalhadas.

quinta-feira, novembro 20, 2003

Por Amor de Deus III.

O Michael Jackson vai para a cadeia. Era o que faltava. Nunca pensei que fosse esta a próxima bola a sair do saco.

Depois de assistir:
- à queda do muro de Berlim e ao desmantelamento da U.R.S.S.;
- à morte do Frank Sinatra;
- a caval(h)eiros endinheirados a comprar viagens para piqueniques no espaço;
- ao Schumacher vencer 6 vezes o campeonato de fórmula um;
- a um analfabeto tomar posse como presidente do país mais poderoso do mundo;

Qualquer dia ainda presenciamos a chegada do novo Messias envergando uma t-shirt com o patrocínio da Microsoft.

Microsoft marca e logótipo propriedade da Microsoft Corporation. Todos os direitos reservados

P.S. Se ainda assim me tentarem remeter para o mesmo destino do wakojako, fique quem de direito a saber que as letras M-i-c-r-o-s-o-f-t foram digitadas aleatoriamente, de forma involuntária e só por mera coincidência tomaram esta ordem.

Arrumos de Amor.

É inacreditável o que se pode arrumar dentro de uma gaveta.
Na minha mais pessoal, guardo:

- Sonhos (uns sedativos leves de origem vegetal que nem me lembro da última vez que tomei. Sabendo que podem fazer falta, sou incapaz de pensar em usá-los para dormir - é estranho mas guardamos coisas perfeitamente inúteis);

- Lembranças (o passaporte com alguns carimbos de países exóticos, menos do que eu gostaria);

- Futuro (um relógio parado, daqueles automáticos que só trabalham em festas importantes);

- Passado (fotografia dos meus pais num cais fluvial em Alhandra quando ainda namoravam e eram mais novos do que eu).

É um exercício aliciante abrirmos de vez em quando as gavetas. Encontramos coisas que julgávamos perdidas, outras achadas, outras ainda num estado de hibernação, como tudo o que sentimos quando nos apaixonamos.

terça-feira, novembro 18, 2003

Amor sem fim.

Amo-te, e gosto de o dizer. A razão pela qual não o repito até ao infinito é
para que tenha sempre o significado que tu tens para mim.

Amor Apagado.

Certas expressões vão morrer comigo. O olhar de uma criança iraquiana que vi hoje num telejornal será uma delas. A sua cara era de choro sem ser de choro simples. Era daquele que estava a ser gravado para sempre na sua memória, como quem escreve numa pedra a cinzel.

Alguns soldados tinham acabado de destruir umas terras sem valor do seu pai, e estavam agora a revistar o quintal. O olhar de terror, pavor, raiva e impotência não era por medo que um deles descobrisse um dos seus brinquedos escondidos por baixo do tanque de lavar a roupa. Era antes de inquietação e incompreensão em estado puro.

Que bom seria se todas as imagens fossem fáceis de apagar como a minha televisão.

Amor Aluado.

Hoje vi uma das Luas mais bonitas que me lembro. Trabalhei até tarde e tive a sorte de tomar o caminho do Chiado como quem vem de São Bento, Rua das Flores, Príncipe Real e por aí adiante. Quando subia para a realeza, dei de caras com o tal fulgor de que vos falo. Estava com a face de cumplicidade que todos conhecemos. A mesma que ilumina os distraídos e inspira os poetas.

Era a face que Shakespeare viu quando escreveu Julieta pela última vez. A mesma que o meu pai viu quando embarcou na Rocha do Conde de Óbidos para a Guiné em 1968 e ainda a mesma que viu o Jeff Buckley a entrar na água.

Era ainda a que me fez chorar quando acabei o meu primeiro namoro de iniciado.

A Lua. Fico com ela por me roubar tudo a mim próprio.

segunda-feira, novembro 17, 2003

Amor à trave.

Antes de tudo, quero pedir desculpa pelo lugar comum: hoje assisti à inauguração de mais um estádio de futebol e não consegui deixar de pensar no dinheiro gasto.

Bem sei que os proveitos do evento que se vai realizar deverão cobrir os custos que todos estamos a ter agora, que a imagem do país ficará com novas cores aos olhos dos outros, que os espanhóis vêm cá esturrar os subsídios de férias de 2004 e que o turismo sairá vencedor independentemente dos resultados. Até sei que o cu nada tem a ver com as calças.

O problema é que, da minha janela, vejo todos os dias um sem-abrigo que encontrou numa arcada fria de um prédio a segunda parte da sua denominação. Esta é uma realidade com que tenho de conviver sempre que ponho alpista ao casal de pardais de Java na varanda.

Não sou de direita nem de esquerda o meu é o terceiro frente. Gosto de futebol. Não gosto é das repetições vistas por todos os ângulos nem dos fora-de-jogo mal tirados.

P.S. Contribuo assiduamente para a alimentação, vestuário e álcool (através dumas moedinhas) desta alma que se perdeu.

domingo, novembro 16, 2003

Amor intravenoso.

Existe uma coisa que consegue fazer com que toda a gente perca a razão.

Não é um delírio nem um soco na nuca. Mas passa na medula e no resto do ser. Ouve-se, sente-se e pressente-se. É dos poucos sentimentos capazes de provocar alterações físicas nítidas e palpáveis.

Os olhos ganham brilho, as mãos exalam um suor leve e acidulado, os músculos do pescoço entorpecem e o nível térmico sobe.

Algumas veias e artérias intumescem. A respiração adianta-se de mão dada com a pulsação.

A hemoglobina transparece mais facilmente na face, costas e lábios.

Acho que o Amor deveria ser disciplina obrigatória para quem se licencia em medicina.

Amor verdadeiro II.

Não somos nós que fazemos amor. É o amor que nos faz.

Contas de Amor.

É um exercício interessante subjugar tudo a uma aritmética simples.

Na programação, os valores 0 e 1 compõem-se em combinações para fazer uma conta de dividir. Nós estamos num estádio mais avançado e, ao contrário do anterior, recorremos ao 1 e 2 para fazer uma conta de somar.

Tal como na engenharia de sistemas com o 0 e 1, a nossa atenção dispara aquando da conjugação do 1 e 2.

Exemplo - Um coração ouve através de dois ouvidos uma mensagem que vem duma boca, que passa num juízo e que resulta num sorriso. Dois olhos fecham-se, outros dois também, duas línguas tocam-se leves como dois véus de seda, dois corpos encostam-se e uma temperatura cresce. Duas mãos abraçam um pescoço, outras duas tocam um peito, dois olhos abrem-se sorrateiramente para um riso leve. Uma noite sobe e dois corpos mergulham com uma estrela num sonho de dois que é igual a um.

À partida, na programação, um erro subverte todo o sistema.
Já na vida, muitos erros não conseguem perturbar a nossa infância à chegada.

sábado, novembro 15, 2003

Amor adiado.

Hoje a morte não bateu à porta. Entrou por curiosidade e foi espreitando a penúltima morada de quem levou há pouco. Reparou nas chaves em cima do balcão e viu o touro de louça que tinha sido herdado de uma tia-avó. Havia um leve aroma a lombo assado e uns copos usados brincavam ainda em cima da mesa. Ontem à noite alguém saiu sem tempo para arrumar o que lhe ia dentro.

Fez duas semanas que a dona do espaço tinha traído o seu leito por um equipado com medidores cardíacos, ventiladores e outros tubos por onde correm as gotas de analgésico forte. Na cama que tinha sido a de anos de prazer, tardes de repouso, noites de lágrimas e insónias estava agora uma caixa aberta com fotografias. Umas antigas outras nem por isso. As primeiras eram mais sorridentes.

Como que tomada por uma comoção imprevista, a visita deu meia volta e decidiu fazer por si própria o que a maior parte das prostitutas fazem pela sua segurança: nunca beijar um cliente nos lábios, sob pena de se apaixonarem e assim comprometerem irremediavelmente a sua função.

Antes de sair reparou que alguém deixou uma janela aberta. Lá fora havia chuva e cheiro a terra húmida. Apressou o passo e bateu com a porta.

Ainda bem que está a chover. Assim as lágrimas misturam-se com as que vêm do céu e ninguém repara.

Para uma amiga que perdeu a mãe hoje.

sexta-feira, novembro 14, 2003

Os Anjos fazem Amor?

Esta é uma pergunta que me ocorre cada vez que olho para quem amo. Não me refiro aos falsos anjos das procissões de uma qualquer vila ribatejana. Falo dos que não têm asas mas que voam mais alto que Ícaro.

Ao contrário daquele, que caiu e se transformou no símbolo de toda a garganeirice, todos os outros são dulcíssimos e portadores de uma sensualidade que só pode vir de química corporal (pode ser lido como substantivo). Só um desditoso poderá supor que o sexo é exclusivo dos homens. Só quem nunca amou poderá julgar que é dono da sua própria vontade.

Os anjos fazem amor até de olhos fechados. O que amo, mesmo sem asas, mostra-me o que está para lá do nosso céu.

quarta-feira, novembro 12, 2003

Amor Ardente.

A que se deve o fenómeno de sobreaquecimento quando duas bocas se tocam? Serão as cargas positivas e negativas que cada uma delas transporta? Será por as línguas ficarem próximas e, como tal, duas civilizações? Ou é antes porque as palavras são interrompidas e as emoções são detonadas?

Se calhar é só porque é pela boca que a vida entra em nós. Se calhar é porque é esta que substitui o umbigo quando o nosso primeiro cordão é cortado.

O excesso de utilização de uma boca é sempre prejudicial. Qualquer que seja o proveito.

Felizmente que sabemos reconhecer uma boca de incêndio quando algo se começa a inflamar.

Amor Clandestino.

Tal como um argelino às 4:46 da manhã numa jangada feita com bidões em pleno Estreito de Gibraltar, também o amante clandestino foge de uma vida condenada à mediocridade. Na sua nave feita de sonhos e arames ferrugentos, disposto a correr risco de vida e rotas de medo, também este tenta chegar a uma nova margem de regaço.

Desde sempre que a clandestinidade é mãe de muitas emoções e tentações. Uma nova e enriquecida vida é o objectivo final de quem lhe recorre. Porém, não poucas vezes as desilusões são superiores às boas surpresas. Com o desbravar dos novos caminhos, chega-se com frequência a ruas semelhantes às que já eram conhecidas e olha-se para varandas com camélias que cheiram como as outras.

Sonha-se com tudo a que se tem direito. E torto. Ainda bem que à noite não se vê. A Guardia Civil não dorme em serviço.

terça-feira, novembro 11, 2003

Amor Verdadeiro.

Pergunta: O que é mais importante numa relação amorosa entre duas pessoas?
Resposta: Sexo*

*Ao contrário do que muita gente apregoa, o sexo é mesmo o mais importante numa relação. É este que personifica, materializa e conclui o máximo que duas pessoas juntas, pelo matrimónio ou não, podem fazer em matéria de irracionalidade reprodutiva saudável. Se alguém ainda tiver dúvidas, deverá questionar-se sobre o que, na verdade, pode acabar com uma relação em matéria de infidelidade. Eu sei o que é, e um beijinho maternal na testa não será com certeza. A tolerância de quem é vítima de um súbito crescimento de protuberâncias ósseas na fronte acaba quando os outros dois vértices do triângulo se juntam.

domingo, novembro 09, 2003

Por amor de Deus II.

Li este Sábado no DNA uma reportagem que, entre outras coisas, falava das ordens de freiras que, não só ainda existem tal qual como há centenas de anos, como foram encorajadas, fundamentadas e convidadas a continuar os seus intentos pelo Papa corrente.

Num dos depoimentos, prestado por uma irmã na casa dos 30, ficamos a saber que o único contacto com pessoas externas ao convento se faz numa sala dividida por grades. Num dos lados a família, (ou outro raro protagonista, como foi o caso do jornalista), e no outro a orgulhosa/arrependida/ansiosa/conformada/dobrada/subjugada/castrada/previligiada/devota/entregue/enclausurada/escrava/amante/letrada/pobre/votada/mulher que diz que, numa determinada altura da vida, o chamamento de Deus foi mais forte.

O amor fraternal é inolvidável. Tão inolvidável que alguns filhos consanguíneos acabam por proferir sentenças de prisão perpétua a eles próprios para se libertar.

sexta-feira, novembro 07, 2003

Amor à queima-roupa.

Ainda o Kill Bill de Tarantino. Resposta inflamada a um mail que o meu amigo André enviou.


Não procures vasculhar a obra de Tarantino à procura de incoerências. O facto de tanta gente falar ou procurar esses defeitos basta para perceber a sua importância. Os críticos irão sempre sentir-se bem por opinar contra a corrente, irão sempre ficar felizes por apanhar algo que não bate tão certo nos filmes que a franja mais exigente de público considera bons.

Como numa mulher, os pequenos defeitos tornam-na mais fascinante e real.

Foda-se, aquilo é só um filme, muito acima da média é certo, mas apenas um filme. Se querem merdas imaculadas corram para casa e leiam a obra do inglês que escrevia histórias de amor.

Li algumas críticas a dizer mal de Fight Club, li críticas a dizer mal de Ámelie, li críticas a dizer mal de Gato Preto Gato Branco, para concluir: puta que pariu todos os críticos. Vão ver os ciclos de cinema experimental minimalista birmanês que passam na Cinemateca e fiquem por lá a discutir qual deles tinha o branco mais branco durante três horas e quarenta e sete segundos.

Amor perfeito.

Arrependo-me amargamente de não ser o tipo de homem capaz de te roubar um
beijo e deixar-te sem o fôlego que precisarias para me deter.

quinta-feira, novembro 06, 2003

Amor esotérico.

A vida é muito mais David Lynch do que se pensa.

Um olhar mais atento revela o que digo. Não é necessária uma percepção extra-sensorial para olharmos a paisagem e perceber o número de estradas perdidas ao dispor. Todos os dias expomo-nos a revelações inusitadas, aparições gratuitas, diálogos do além e contactos imediatos.

No amor é assim também. Tudo é posto a nu enquanto o diabo esfrega um olho. A intimidade é dissecada pelo tacto, olfacto e visão. Elementos externos contribuem de forma vital para as empresas a que os amantes de propõem.

Fruta da época e consultas a ciganas dotadas são, afinal, a base de qualquer relação interpessoal.

quarta-feira, novembro 05, 2003

Amor impulsivo.

E se de repente, uma cigana se empenhar numa perseguição a um cidadão normal que passeia por um jardim? E se o indivíduo lhe disser que não tem tempo, que não quer ser cúmplice com o mercado paralelo de contrafacção, que não deseja saber o futuro e que a sua mulher já tem todas as Louis Vuitton? E se a cigana não desistir porque tem uma coisa importante para dizer e que não é nada disso que ele está a pensar?

Ele pára com um sorriso para ouvir:

Você tem problemas.
Tem sido alvo de invejas, maus olhados, remessas e mezinhas.
Há uma mulher que não o deixa ser feliz com o seu grande amor. Que lhe colocou uma coisa numa comida ou bebida. Você tem tido dores de cabeça e algumas náuseas.

O sorriso era cada vez mais aberto e a curiosidade da descrença estava no auge.

A seguir a cigana diz que não quer nada a não ser apenas quebrar todos os entraves ao amor pleno e verdadeiro. Com o consentimento adequado, e sobre as mãos cruzadas, a cigana começa uma das rezas mais estranhas, incríveis e irregulares que existem. As três pessoas entram num transe de fascínio em simultâneo e sorrisos continuam nas duas bocas que não a da cigana.

Depois de acabar, fica o silêncio e as três sensações diferentes.

A cigana vai-se embora com um "tenha cuidado e seja feliz com essa cara linda". O ambiente respira qualquer coisa de novo e enigmático.

Amor ao próximo.

Vimos cá ganhar um fatinho e um par de sapatos. Esta é a diferença entre nascer e morrer.

Nascemos nus mas quando morremos vamos vestidos. Provavelmente com a melhor indumentária do armário. Os acessórios irão ou não. Se o cinto e o relógio forem bons se calhar abandonam-nos à última da hora. Os outros haveres também ficam para quem os agarrar, ideias e palavras inclusive.

Se a teoria da reencarnação for a certa, para a próxima talvez levemos um fato mais elegante e uns sapatos com sola de verdade. Ou então ficamos numa valeta a emagrecer até alguém se lembrar de nos pontapear e separar a estrutura.

Deveremos encontrar e amar os mesmos, recorrentemente, leve quantas vidas levar. O pior é se teoricamente a reencarnação estiver errada.

terça-feira, novembro 04, 2003

Por Amor de Deus I.

Os profetas da desgraça - o melhor dos nossos era um senhor franzino de óculos que costumava estar no Rossio, com um chapéu de capitão sabe-se lá do quê.

Lembram-se da sua voz monocórdica, amplificada por um equipamento de som de qualidade duvidosa?

Não sei se ainda costuma lá ir, se é vivo ou não. O que sei é que durante anos, não só acreditou no que dizia, como tentava converter os que passassem dentro do seu raio de acção. Será que a chegada do ano 2000 lhe tolheu a fé que tinha no apocalipse, como fez com as testemunhas de Jeová?

Agora resta-nos os outros do costume, sem a mínima importância quando comparados com tamanho vulto da urbanidade diária de Lisboa.

Um homem com convicções é pior que um mentiroso.

segunda-feira, novembro 03, 2003

Amor eterno.


Lembram-se do sabor dos últimos lábios que beijaram com tanta paixão que o tempo parou? O aroma subtil como um véu, que fica na boca depois da despedida? O toque do suor das mãos que se amarraram às nossas? Lembram-se de quando foi a última vez que alguém os guiou por um caminho inesperado, quente, húmido, nervoso e fatal?

Eu lembro-me.

Amor de Perdição.


Kill Bill. As duas palavras mágicas que o mestre nos trouxe desta vez. O amor da noiva espancada no altar, o amor a todas as referências fascinantes, a excitação ao rubro com violência e sangue, o amor da vingança crua e simples.


Como diz Nietzsche, alguns homens nascem póstumos e Tarantino, se calhar, é desses.

"There's a fire between us, so where is your god?"