quinta-feira, julho 28, 2005

Deserto(r)




Gasto o tempo em romarias escalavradas e indesculpáveis. Invento e entretenho-me a não te ter. As borras do arrependimento secaram e vivem agora nas paredes da saudade. Lembro o teu corpo e todas as revoluções fervilhantes que nos queimaram.

Vivo com a ausência a babar-me os dias.

terça-feira, julho 26, 2005

- Queres encontrar-te comigo ao fim da tarde?


- Posso levar os fantasmas que ando a tentar matar?

Butterfly.




Quero ver as tuas pernas ligeiramente suadas no sofá, as tuas unhas a precisarem de cuidados nas páginas do drama e a luz que parece variar com as letras e os pontos de interrogação.

Quero ouvir os pratos no fim do jantar, perceber que o chão precisa de ser varrido e acabar com o vinho que me faz lembrar o peito de um pelicano.

Quero acordar ou adormecer para sempre neste sonho. Quero rir e amar-te como nunca conseguirei.

Talvez um dia te encontre no meio de uma loucura normal.

Fotografia: Getty

sexta-feira, julho 22, 2005

Soro.




Passa para cá o teu corpo que tanta falta me faz. Só te consigo esquecer quando faço amor contigo, como se o veneno da ausência fosse o próprio antídoto dos hábitos.

Fotografia: Getty

quinta-feira, julho 21, 2005

Vigília.




Nas andanças do calor continua a ocorrer-me apenas uma frase: não tenho nada a declarar.

A minha vida é hoje uma calma do tamanho do escuro. E tu és três luzinhas que vejo através da cortina fechada.

Talvez a frase tenha a ver com férias que não chegaram a descansar, e as luzes com qualquer coisa relacionada com o calor que não me deixa dormir - este e o teu.

terça-feira, julho 19, 2005

Pousio.



Pouso o livro e sinto uma calma estranha como uma interferência boa. O Sol continua pendurado onde costuma, e as folhas das árvores esperam por piores dias. Engraçado, tudo parou como se a morte tivesse passado, apressada, para a casa da desgraça doutrem.

Há aqui qualquer coisa que não bate certo para além do meu peito. Talvez seja o resto de algum vento que já foi alto.

Não deve ser nada. O meu coração anda distraído e livre. Vou continuar a brincar às vidas normais.

Eu sabia que esta vontade de ouvir notícias em vez de música alta não significava grande coisa. Sinto-me como uma sombra onde descansam os sonhos.

quarta-feira, julho 13, 2005

Dia sim, dia não.



As músicas, os livros, os quadros e os filmes guardam migalhas da nossa história. A cor dos lençóis é a mesma esmorecida da minha calma.

Ainda guardo uma revista com dedadas na capa. Daquele creme que perfumava o fim do banho e a ponta dos teus dedos.

E as palavras de Domingo que lambiam o quarto e a cama por fazer. Faltam hoje e sempre que o mesmo Sol me franze mais um dia.

segunda-feira, julho 11, 2005

Travessia do deserto.




Sem ti:

- Sorrisos;
- Dinheiros;
- Almoços assombrosos;
- Boas companhias e novas empresas;
- Poentes cor de salmão;
- Madornas;

De nada valem.

Tudo me chega sedado e apático. Como se alguém se risse de mim e do que significo.

Sem ti até os jardins me parecem automáticos.

Fotografia: Getty Images.

quinta-feira, julho 07, 2005

Uma boa razão.



Só raramente o Estranho Amor cita textos que não foram escritos para ele. Só que eu estou a acabar de ler “A misteriosa chama da rainha Loana” do Umberto Eco. E, meio em jeito de homenagem, meio em jeito de admiração pelo autor, aqui vão dois bocadinhos:

A mulher aparece-lhe como uma Vénus a dormitar na imensidade da sua espuma e, movendo-se lentamente no sono, compõe e decompõe curvas sedutoras com os vagos movimentos do vapor de água que no azul do céu forma as nuvens. Comenta Hugo: «A mulher nua é a mulher armada.»

Dado que sois o meu marido, saí… Não tendes o direito de estar aqui. Este é o lugar do meu amante.

terça-feira, julho 05, 2005

Petit mort.




Encosta a tua boca ao meu ouvido. Canta-me qualquer coisa. O tempo não tem nada a ver com o teu corpo. Sopra devagar a vontade para dentro de mim. Pode ser um choro ou bastam os teus lábios fechados.

Até o vento me aquece nesta cegueira. Canta-me qualquer coisa, até pode nem ser nada. Basta que encostes a tua boca ao meu ouvido.

Só tu consegues parar o bocadinho de morte que o tempo e o dia trouxeram.

segunda-feira, julho 04, 2005

Há sempre uma luz que não se apaga.




Há dias que parecem finais de telenovela. Muitas coisas penduradas há demasiado tempo caem de repente. Tudo se decide, tudo se resolve, as coisas boas são desculpadas e as más desaparecem no precipício.

Nessa noite as estrelas estão tão vivas que nem chegam a sofrer com a manhã.

A única coisa que me rouba a perfeição é o que fica indefinido. O que propositadamente insinua uma continuação.

A única coisa que me rouba a perfeição és tu, a própria.