quinta-feira, junho 30, 2005

Está bem. Fica lá com o coração.




- Tenho aqui umas perguntas, tens respostas?

- Não, mas tenho aqui uns beijos para a troca.

- Serve. Quantas incertezas queres por esse que está a mostrar a língua?

- Sei lá. Mostra-me essas que tens aí na mão atrás das costas.

quarta-feira, junho 29, 2005

Longa se torna a espera.




O fim de tarde trouxe-nos até aqui. Gostei de te ver com a blusa cor-de-rosa e sem pinturas. Simples como o cansaço que nos faz encravar as pálpebras.

Também eu por dentro uso essa cor. Nalguns músculos ou sonhos tecidos por ti, também sem pinturas, perfumados com a lisura do olhar que desvias.

Ainda espero pelas tuas palavras, como se cada uma fosse uma declaração de desassossego que nunca chegou.

terça-feira, junho 28, 2005

Já tive medo de:




- Foguetes;
- Ondas do mar;
- Que os meus pais morressem;
- Escuro;
- Ladrões;
- Viver sem nunca conseguir beijar uma mulher.

Agora os medos são outros. Bem menos importantes dos que já tive. Melhor que os ter perdido é saber que todos eram verdadeiros.

sexta-feira, junho 24, 2005

In a room, under the sea.




Sempre quis viver contigo. Olhar-te por preparar. Reparar nos sítios onde Deus te tocou como nos pequenos altos dos tornozelos. Aqueles que fez o tempo e o que calças. Dizer que os adoro, por cima dos teus protestos de preço da beleza. Rir das cócegas que me fazem querer parar o relógio e o aroma que guarda a bracelete.

Beijar-te e fazer Amor atrasado. Por falar nisso, Amor adiado é Amor perdido?

quinta-feira, junho 23, 2005

Esparto.




Quero deitar-me aqui. Sentir o Verão na cara e o vento a passar nos dedos. Olhar para a frente, com duas ou três ervas encostadas ao nariz. Olhá-las como se fossem estacas gigantes duma cerca que me poupa de ti.

Imaginar o que vê um soldado acabado de cair na desgraça. Crer que o silêncio e a terra aproveitariam a sua última força para um sorriso.

Levantar-me e olhar para a marca do meu corpo nestes lençóis verdes. Só a minha porque a tua anda ocupada a calcar-me os dias.

quarta-feira, junho 22, 2005

Acreditas?


Ermida de Alcamé

E o que se encontra à volta

- Acreditas em Deus?

- Acho que não.

- Então porque gostas de vir aqui?

- Quer dizer, eu não acredito, mas bem que podia. O teu corpo, por exemplo, não pode ser só fruto da química. Não tem uma explicação concreta e pronto.

- Então vens aqui, pelo sim, pelo não.

- É isso.

terça-feira, junho 21, 2005

Já te tinha dito que esta é a melhor história de Amor que já foi escrita?




Trocaste-me o sono por coisas engraçadas. Pequenos estalidos do algeroz, pássaros que fazem a sua vida de noite e estrelas que se aproximam do limite da janela.

O cortinado abana lento com a cor da Lua. O sossego espanta-se com o ladrar de um cão ao longe.

Às vezes fecho os olhos e finjo que estou a adormecer no quarto que me viu crescer. Lembro-me de não ter sono, mas pelo menos tinha a luz da cozinha acesa e barulhos de uma mãe que passava a ferro.

O descanso que me dava ouvir aquelas mãos a engomar-me a alma.

Hoje leio outras histórias de Amor. De preferência boas como as que ainda podemos sonhar.

segunda-feira, junho 20, 2005

Neste preciso momento,


onde estás?

Planície em chamas.




Este moinho fica de frente para a ermida de Alcamé. É um daqueles sítios onde vou de vez em quando para perceber a minha pequenez. Gosto de sentir que sou insignificante e isso faz-me feliz. Não mando em nada neste mundo. Só no Amor que sinto. Que é do tamanho do Sol que me acompanhou.

Gosto de visitar sítios grandes sem ninguém. Em horas que serviriam para te beijar sem vergonha ou calma.

sábado, junho 18, 2005

Sou mais feliz que a maior parte dos homens.

Sei quem é a mulher perfeita. A melhor de todas as que existiram na história. Esta é uma verdade tão grande que exacerba todos os olhares. Uma espécie de universo dentro deste.

Felizmente nunca acreditarás nesta verdade, tu, a própria.

sexta-feira, junho 17, 2005

A partir de hoje é que é.




Há alturas na vida em que tudo se desfaz. Momentos em que decisões novas e irrevogáveis se tomam. Tudo o que fui errado e tudo o que serei certo. Nada em mim será novamente redondo.

Só que amanhã será igual. São mesmo assim os dias que se revoltam à nossa volta.

Demoramos muito a perceber que só existem dois instantes irrepetíveis.

“Se um dia decidirem escrever a minha biografia, basta que assinalem a data em que nasci e a da minha morte. Todos os outros dias pertencem-me.”

Fernando Pessoa

quinta-feira, junho 16, 2005

Abrasador.




- Seremos sempre superiores a qualquer máquina.

- Olha agora. O que te deu para vires com essa conversa? Porque dizes isso?

- Porque podemos sempre amar como eu a amo.

- Ai sim? E como é que a amas?

- Olha, ainda ontem vinha no comboio e olhei para um homem que vinha a ler um daqueles jornais pobrezinhos. Um dos títulos era “Queimava a mulher”. Lembrei-me logo dela porque li o verbo como se fosse um adjectivo.

quarta-feira, junho 15, 2005

A Deus.



Todas estas palavras eram para ser outras. De despedida, menos propriamente. O problema é que tenho muita dificuldade em abandonar o que quer que seja.

As despedidas são mortes que não doem tanto. Moem e retorcem o fôlego, mas não o encerram. São exercícios de estilo cinematográfico, com lágrimas verdadeiras. Não serão estas as palavras já escritas por alguém cúmplice deste deserto?

Não é uma despedida porque não tenho competência para uma condigna.

O futuro é demasiado simples como palavra. O que virá a alguém pertence.

Guarda agora o olhar que nunca me deste. Correrei o mais que puder, até que sangre a angústia e me sorria a memória.

terça-feira, junho 14, 2005

Fruto da época.




Passo por sítios que deveriam ter sido meus. Lugares que podiam ainda guardar o descanso das tardes solarengas. Pátios recolhidos, figueiras tortas, azulejos sem cantos e dentro de modas passadas.

São de mais as vidas que vou deixar para trás.

Colecciono imponderáveis e possibilidades por abrir. Mas cada vez que vejo uma figueira amaino o passo. Por tantas vezes me ter ardido a boca em novo. Com figos verdes e pensamentos maduros.

quinta-feira, junho 09, 2005

Primeira impressão.




Guardo o rascunho do bilhete que te escrevi naquela tarde. Havia uma luta entre o tremor da mão direita e a certeza de que todas as letras te seriam familiares. Fiz dois desses. O primeiro não serviu, ou melhor, aproveitei-o para distrair os nervos do segundo.

O segundo ficou para ti, como ficam todas as palavras que aprendi. Em sítios onde sei que as encontrarás.

Fotografia: Imogen Cunningham - Magnolia Blossom - 1925

quarta-feira, junho 08, 2005

Podes esconder-te, mas não me podes impedir de amar.




A tua falta obriga-me a carregar a maior compreensão do mundo. A cada pulsação vejo-me obrigado a inventar uma má desculpa para não te ter. Passo assim as horas entretido sem querer mesmo.

“Ela está de férias mas não foi para lado nenhum. Ficou em casa a arrumar coisas que prometera há muito. Estende a roupa da noite quase até ao meio-dia e só se compõem porque pode aparecer alguém. Ou, de repente, irá comprar a fruta que assim desejou. Um dos discos antigos alegra-lhe os passos, mais alto do que o costume.”

Podia prolongar isto sem o mínimo esforço, em direcção à realidade. Mas prefiro saber de tudo devagar. Conheço-te melhor do que eu próprio imagino.

terça-feira, junho 07, 2005

”Engenho para divertimento, que põe em movimento, em torno de um eixo, veículos ou animais figurados em que se sentam ou escarrancham pessoas”



Se as manhãs trouxessem uma visita tua. Se os passos me perdessem na tua direcção. Se cada palavra que desperdiço fosse uma parte da história que nos falta.

Uma espera conformada como a de um corredor de morte. Uma reza, só mais uma antes de te ver desaparecer nos dias que nos colhem.

O Amor quando é passado a escrita torna-se muito mais grave. Cruzamo-nos e nada é o que parece. Tudo é natural, livros fecham-se, pássaros voam e os ruídos do costume indicam-me o caminho. A paisagem passa, repetida como se andássemos num carrossel com luzes de infância.

segunda-feira, junho 06, 2005

Abrilhantas-me.

O que sinto por ti leva-me a achar graça a todas as músicas românticas. As piores de todas servem para te imaginar a dançar, a brincar, numa destas festas de Verão.

As outras servem para te ver distorcida pela água salgada que me atravessa a saudade.

Quantos destes dias se pode ter na vida?




O meu irmão casou este Sábado. Foi bom e inesquecível. Foi bom gastar assim um dos dias mais importantes das nossas vidas. E este já ninguém nos tira.

Se o tivesse que classificar diria que é um irmão único. Como aqueles filhos incumbidos de carregar todos os ovos de uma casa.

sexta-feira, junho 03, 2005

Espero, como se os dias fossem rascunhos.




As palavras que por aqui andam continuam a ser tuas. Não perguntes se é possível gostar assim senão obrigas-me a dar a pior de todas as respostas: sim.

Não é só quando se é novo, inconsciente ou desgraçado. É possível não te falar, beijar ou conhecer e mesmo assim ter a corrosão por cúmplice nas horas sós.

Gosto de ficar assim, de frente para tua falta. Desculpa a ousadia de tudo o que penso sem dizer.

Ingres - Francesca da Rimini e Paolo Malatesta, 1819 (óleo sobre tela)

quinta-feira, junho 02, 2005

Pior que não te ver,


É saber que não te verei de certeza. É uma espécie de todas as esperanças a morrer juntas, desencantadas por uma música qualquer.

Amanhã de manhã começa tudo outra vez.

Lugar marcado.




Estive tão perto que quase ouvi o pulsar do teu peito. Consegui ver a manhã iluminada nos teus dedos, contei todas as cores de todas as sombras dos teus braços, cada movimento, cada prega, a encher-me de vazios cada vez maiores. Bastava-me esticar a mão para fechar os olhos para sempre.

De repente, passaste a mão pelos cabelos que ainda me faltavam contar. O ar que te cercava de vida sufocou-me.

Fotografia: Getty

quarta-feira, junho 01, 2005

A timidez como forma de egoísmo.


Quando se é tímido, todas as desculpas são óptimos farrapos. Quando se é tímido todos os remorsos são mais pesados. Só a felicidade, o aperto no peito e a falta de jeito são iguais.

Se soubesses as vezes que hoje disse amo-te, sem nunca teres ouvido.

Olha, flores proibidas, por colher.




São quantas as histórias que poderíamos viver? Que praias, quartos, filmes, livros e gargalhadas estariam à nossa espera?

Gosto de pensar em todos os sítios que nunca visitarei como o destino que vamos deitando fora.

Estou certo que numa dessas praças encontrava o entardecer, o repuxo e o pauzinho com que desenharia o meu nome no teu.

Fotografia: Cartier Bresson