terça-feira, novembro 30, 2004

Sol edificado.

Saio de casa com música de bolso e um livro. Equipamento obrigatório para me salvar, como as braçadeiras ou a bóia de uma criança cansada de tanta água.

São boas estas manhãs que dão para fumar o nosso ar quente. Congelam-me os sorrisos e os banhos do Verão que passou.

A minha nova paixão.

É esta.

segunda-feira, novembro 29, 2004

(…) basta recordar e imaginar o roçar da sua saia para sentir desejos de morder as mãos.(…)

Acabei de ler O Jogador de Dostoievsky. Aprendi que a humilhação é fundamental nas relações de amizade. Os amigos verdadeiros rejubilam com a humilhação salutar uns dos outros. Grande verdade.

É por estas, e por outras iguais a estas, que prefiro os beijos de quem amo às palmadinhas nas costas.

sexta-feira, novembro 26, 2004

US10 EU44 JP28 UK9.5

As caixas de sapatos são a invenção mais importante da humanidade. Não pelo que são, mas pelo que conseguimos lá guardar.

É aí que vivem bilhetes, botões, cartões, flores secas, fotografias esbatidas, lenços com lábios e madeixas. As primeiras lágrimas, os primeiros sonhos de gente grande e a inocência que nos traiu.

quinta-feira, novembro 25, 2004

Biografia não autorizada, de preferência.



Quando somos novos, mostramos a paixão com orgulho no autocarro.
Mais tarde, vivemos a errada no sítio certo à hora atrasada.
Já velhos, julgamos a nossa e a dos outros à porta de uma prisão perpétua.

quarta-feira, novembro 24, 2004

My only friend, the end.



Todas as histórias belíssimas são dramáticas. A nossa não fugiu à regra, fugiu-nos a nós. Para bem longe, para fora de pé.

Todas as histórias acabam bem. Mesmo no fim, para lá do razoável, acabam bem.

terça-feira, novembro 23, 2004

segunda-feira, novembro 22, 2004

Ponto Cruz.



Uma das minhas bisavós perdeu dois dos quatro filhos que teve. De tuberculose, pois claro. Um, e outro de seguida, sem ter tempo de enxugar as lágrimas do primeiro. Desde esse dia que a sua rotina passou a ser:

Levantar, beber café com pão com manteiga e preparar um farnel. Antes de sair para o cemitério, pegava num banco de madeira minúsculo onde passava os dias sentada em frente às campas dos filhos a bordar.

Diz a minha mãe que todos os dias foram assim até à véspera da sua morte.

Nunca a conheci mas é bom saber que carrego coisas dela.

domingo, novembro 21, 2004

Matchbox.



Os brinquedos lembram-me como o tempo é implacável. Cresci sem que alguém me perguntasse se queria. Novo, vivi muitas vidas a fingir que era adulto. E agora não consigo viver uma única como criança.

sexta-feira, novembro 19, 2004

A insustentável leveza do ser ou não ser.

Percebo o peso lento de começar um livro com mais de quinhentas páginas que se vai levantando emocionado quando se aproxima do fim.

Ao contrário da paixão que tudo consome à nascença como uma lareira só com papeis.

R.I.P.

Uma vaga de baixas assola a blogoesfera nacional. Uma verdadeira sangria. Depois deste triste abandono, este, tido por mim como o mais brilhante blog do mundo, anda a sofrer assombrosas convulsões. Não fosse a sua grandeza e poderia desejar rápidas melhoras ao maior ponta de lança do mundo.

Enfim, o Estranho Amor não só não vai acabar, como vai continuar estoicamente e em força.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Não há maior mentira do que a despedida de quem se ama.

Admirável mundo velho.



Sublime rotina. Nada há que mais aprecie do que olhar para os mesmos sorrisos de ontem. Os mesmos passeios e as mesmas valetas. Janelas e aromas. Gosto de me rever todos os dias a polir as horas em busca da perfeição.

As viagens, surpresas e sustos estão cá dentro.

quarta-feira, novembro 17, 2004

Diário de bombordo.

Há dias que passam por nós e não os notamos. Sabendo que são mais valiosos que diamantes, chego ao seu fim e fico irritado. Podíamos, ao menos, ter aproveitado para beijar quem amamos ou quem nos apetece. Resta o consolo de saber que piores dias virão e que esses acertam em cheio onde menos gostamos.

terça-feira, novembro 16, 2004

Amos.



Amo este disco. É bom, mas bom. Também era um dos primeiros a salvar se houvesse um incêndio cá em casa.

Nunca saímos da idade dos porquês.



Muitas vezes, não vemos as razões porque elas não existem. E o Amor é exímio praticante da arte de escamotear. É crónico. É um estranho e não um conselheiro de confiança. O nosso esconde-se noutros e o dos outros achamos sábio.

Já dei uma parte de mim para te ter. A mais valiosa. Nunca foste minha, perdi a razão.

Porquê?

Porque sim.

segunda-feira, novembro 15, 2004

É uma verdade suja mas alguém tinha que a dizer.

O Amor que tantas vezes junta, outras tantas separa.

As casas também morrem de pé.



Ainda as casas emparedadas versus as abertas: nenhuma das primeiras conseguiria ter este azul lá dentro. Esta é a prova que até na ruína a beleza é possível.

Acho que nem numa casa dita (de utilização) normal se costuma ver um céu tão azul.

sexta-feira, novembro 12, 2004

E isto é só o principio.

Sentado à mesa penso, se está aqui é porque, pelo menos, gosta da minha companhia. Os pratos e os copos são irrelevantes, como se o momento roubasse o espaço ao que deveria ser mais do que uma questão de sobrevivência.

As palavras trémulas do antes do principio olham para as tuas mãos. A sua graciosidade é a mesma que segura um revólver tranquilo. Imagino uma mão na coronha de nogueira e outra a limpar uma leve mancha de óleo no tambor.

Nunca medi tanto as palavras, não vá alguma matar de arrependimento.

quinta-feira, novembro 11, 2004

Só a verdade é revolucionária.


Na gastronomia, as castanhas têm o valor de rubis sangue de pombo. Esta fama deve-se em muito ao Marron Glacê, tido por muitos como a maior jóia da doçaria.

Mas a água-pé é o mesmo que água de lavar pratos. Gastrónomos, gourmets e escanções não compreendem como num país com tão bom vinho alguém possa beber semelhante coisa.

Ou muito me engano ou esta é uma relação em que um ama e o outro deixa.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Coisas que não se resolvem na cama.


Luí XVI dormia numa cama Luís XV.
Primeiros sintomas



Da manhã. Fria e calculista. Horária e fugaz. Em breve será tarde. Demais. Havemos de conseguir uma conversa importante no carro. O coração, a mão e a boca a menos de cinquenta centímetros do lado. Estou perdido. Desculpe, como é que vou para a Ajuda?

É impressão minha,

ou existe alguém que nos ajuda a tolerar o peso da própria vida: um anestesista invisível a quem alguns chamam fada madrinha?

terça-feira, novembro 09, 2004

Admitem-se dois tipos de apaixonados:

Os que estão e os que dizem que não estão.

Os outros terão que esperar. De forma ordeira, aí atrás, por favor.

P.S.

São tantos os minutos que guardo na memória dos beijos que nunca chegámos a dar.

Honrai a Pátria, que a Pátria vos contempla.



Perdi o Amor que adiei. Muito pior que uma batalha ou guerra. Perdi-me a mim próprio por querer. Deste-me uma cigarreira antes de ir para a frente, julgaste que me voltavas a abraçar.

Desfigurado pelas lágrimas incandescentes ouço-te: por Amor de Deus, por Amor de Deus.

Perdi o Amor que adiei.

segunda-feira, novembro 08, 2004

Na morada antiga.



Incomodam-me as casas emparedadas. Preferia vê-las a arruinar livres, com lembranças de vidas a bater nas janelas e a acenar. Com o solho a libertar-se e os pardais todos na sala. Com ervas novas na cozinha e sol no quarto dos fundos.

domingo, novembro 07, 2004

Plenilúnio.



- É pena não se ver a Lua nas noites de chuva.

- Sim, mas sabemos que lá está.

- Como a tua boca no escuro.

- Lá está.

sexta-feira, novembro 05, 2004

Questão alvoraçada.

Morrer de velho, ou morrer de novo?

Corte Marcial.

Lembro-me da tua voz mas mais ainda me lembro da sua rouquidão. Lembro-me dos teus olhos mas mais ainda me lembro deles fechados. Lembro-me da tua boca mas mais ainda me lembro de não saber onde começava ou acabava a minha.

Lembro-me da extrema violência que nos invadia. Tão bem, que nenhum dos nossos dedos soldados a conseguiu matar.

quinta-feira, novembro 04, 2004

De olhos bem abertos.

A foto abaixo foi tirada na saída norte da segunda circular ao fim do dia, enquanto estava no meio de um engarrafamento. Fico feliz ao ver que há sempre bocadinhos de sonho a deambular.


Não sei se nos devemos desculpar por iludir ou por desiludir.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Toda a minha vida na tua mão. Aberta, vazia ou cerrada. A tua mão ou a minha vida?

Tejo.



Sei que foste assim. Bravo, irrequieto e apaixonante como um verdadeiro amigo. O vento e o Pessoa contaram-me as noites e as nuvens, o meu pai contou-me quantos trouxeste e quantos levaste.

Como te percebo, a infância de crianças felizes ainda te faz correr para o mar.

terça-feira, novembro 02, 2004

Mesa para dois s.f.f.


Uma intoxicação alimentar despejou-me de todas as tarefas. Acamado, estou lentamente a acordar para a vida normal. O Nestum de arroz sem glúten e a canja insonsa roubam-me a esperança de uma visita ao XXIV Festival de Gastronomia de Santarém. Enfim, melhores refeições virão.