O portão da quinta não foi suficiente para esmorecer a vontade. O sonho daquela noite foi acordado minutos antes:
- Espero que todos se deitem, o meu pai adormece logo, depois vou ter contigo lá abaixo ao portão grande.
- És maluca? Achas que não vão ouvir? Estás boa da cabeça? E se alguém percebe?
- Cala-te. Eu é que sei. Espera-me lá daqui a um bocadinho. Até já.
A Lua de Verão foi testemunha. Minutos depois, na luz da noite, duas estrelas vêem-se num ritual de inovação.
- Então sempre vieste? Não pensei que fosses tão louca. Nem acredito que estás aqui.
- Beija-me. Aqui, por entre esta abertura. Bem que o meu pai podia ter feito este portão um pouco mais acessível.
- Imagina, separados por barras de ferro, eu aqui na estrada e tu aí na quinta que foi do teu avô. Ainda há pouco estávamos de mãos dadas ao pé dos teus pais e agora estamos aqui nesta loucura completa. Ao menos podias ter-te calçado. Amanhã vais estar doente.
- Shiu! Doente ficava se não te desse mais este beijo. Só mais este, como se não nos víssemos mais. Não quero mais nada no mundo. Tudo pode desabar que não me importo. Começando por este maldito portão.
O portão fechou nas duas cabeças a aragem da noite que nunca se soltou. Até hoje, passem os anos que passarem, ou os filhos que quiserem. Os sorrisos da altura puxam-me até sítios que nunca julguei possíveis. Demasiado fascinantes, onde nunca nenhuma ficção tocou.