She don't believe in shooting stars, but she believes in shoes and cars, (filme com bolinha encarnada no canto superior direito).
Flash Lights - Kanye West
É uma grande música, como tal, a história não pode acabar bem. Mas também hoje é segunda-feira e nada como aproveitar o início da semana para ver coisas menos felizes.
sexta-feira, março 28, 2008
quarta-feira, março 19, 2008
Cicatrizes - segunda parte.
Passadas algumas semanas, quando as suas mãos já voltavam às de gente, a sua cabeça não largava a cara do homem que lhe queimara muito mais que a dignidade. Era como se aquele pensamento estivesse encurralado dentro dele, já quase em pânico, o pensamento, a tentar esconder-se ou falar de mansinho.
O regedor já era seu conhecido e o que acabara de acontecer podia muito bem ser obra daquele desgraçado. O homem vinha a cavalo, de repente apagou-se tudo: alguém lhe enfiara uma saca pela cabeça abaixo e chapara com ele no chão. No meio daquele sufoco de presa, começou a levar porrada. Lembra-se que, antes de desmaiar, ouvia o respirar já ofegante de quem lhe estava a enfardar tanto que julgou serem aqueles os seus derradeiros suspiros e dentes. Demorou meses a recuperar.
O irmão das laranjas nunca mais foi visto por ali. O tal regedor bem o procurou mas nada. Nem o resto da família, com a fome do costume, sabia para onde tinha ido.
Anos mais tarde, e desculpem-me a falta de cuidado com a manutenção do suspense, descobriram-no em Lisboa. No Campo Grande, tratava de uns cavalos e por ali fez família, matando, com o tempo, a fome e o passado.
Fotografia - Getty Images
quarta-feira, março 12, 2008
Cicatrizes.
Eram quatro irmãos e duas irmãs habituados com a fome. Naqueles anos a vida não era fácil e, em adultos, todos se lembravam do primeiro par de sapatos que provaram, tal foi o atraso com que lhes chegou.
Além da fome e do apelido com princípios de fama por más razões, pode dizer-se que os rapazes não eram flor que se cheirasse, no que ao trato diz respeito. Chegaram a roubar, mas sempre para comer. Entre favas e laranjas, qualquer coisa servia. Quando iam às favas, avisavam a mãe para pôr uma panela de água ao lume para as cozer assim que chegassem. A verdade é que muitas vezes, depois de descascadas, mal chegavam para todos, adiante.
Um dia o mais novo foi apanhar laranjas à quinta dos Palhas. À boquinha da noite, passou com cuidado no arame farpado do costume, só que desta vez estavam dois homens à sua espera.
Amarraram-no a uma árvore depois de lhe assentarem umas chapadas com muita força. Além de magríssimo, os dois juntos nem o deixaram falar antes do primeiro estalo. Seguiram-se insultos e alguns avisos para não voltar ali. O mais bera acendeu um cigarro e, apesar do outro lhe dizer que deixasse estar, queimou-lhe as pontas de todos os dedos.
Seguiram-se mais caneladas, gritos de piedade (que por acaso era o nome de umas das irmãs) e queimadelas nas mãos.
Quando o soltaram, levantou-se muito à pressa como uma marioneta ainda com cordas, virou-se para o do cigarro e, aos gritos e a chorar, disse que só ia ali porque precisava de comer, que as laranjas nem eram deles os dois e que ao dono não faria diferença que as levasse.
(Continua).
Além da fome e do apelido com princípios de fama por más razões, pode dizer-se que os rapazes não eram flor que se cheirasse, no que ao trato diz respeito. Chegaram a roubar, mas sempre para comer. Entre favas e laranjas, qualquer coisa servia. Quando iam às favas, avisavam a mãe para pôr uma panela de água ao lume para as cozer assim que chegassem. A verdade é que muitas vezes, depois de descascadas, mal chegavam para todos, adiante.
Um dia o mais novo foi apanhar laranjas à quinta dos Palhas. À boquinha da noite, passou com cuidado no arame farpado do costume, só que desta vez estavam dois homens à sua espera.
Amarraram-no a uma árvore depois de lhe assentarem umas chapadas com muita força. Além de magríssimo, os dois juntos nem o deixaram falar antes do primeiro estalo. Seguiram-se insultos e alguns avisos para não voltar ali. O mais bera acendeu um cigarro e, apesar do outro lhe dizer que deixasse estar, queimou-lhe as pontas de todos os dedos.
Seguiram-se mais caneladas, gritos de piedade (que por acaso era o nome de umas das irmãs) e queimadelas nas mãos.
Quando o soltaram, levantou-se muito à pressa como uma marioneta ainda com cordas, virou-se para o do cigarro e, aos gritos e a chorar, disse que só ia ali porque precisava de comer, que as laranjas nem eram deles os dois e que ao dono não faria diferença que as levasse.
(Continua).
sexta-feira, março 07, 2008
terça-feira, março 04, 2008
Cúmulos.
Não é a velhice, mas o cansaço que se aproxima. A secura e a poeira maceram-te devagarinho. Quando é que paras? Quando o fizeres é porque estás preparada ou dormente. Agora davas o que daria alguém condenado a uma cadeira de rodas, mas, como esse, sabes que isso não vale.
Procura erva alta e deita-te. Olha para as nuvens e repara, como dantes, nas figuras que elas fazem. Hás-de ver o que juntaste até hoje – nada que se aguente de pé.
Fotografia: Thierry Le Goués
Não é a velhice, mas o cansaço que se aproxima. A secura e a poeira maceram-te devagarinho. Quando é que paras? Quando o fizeres é porque estás preparada ou dormente. Agora davas o que daria alguém condenado a uma cadeira de rodas, mas, como esse, sabes que isso não vale.
Procura erva alta e deita-te. Olha para as nuvens e repara, como dantes, nas figuras que elas fazem. Hás-de ver o que juntaste até hoje – nada que se aguente de pé.
Fotografia: Thierry Le Goués
Subscrever:
Mensagens (Atom)